Música ajuda jovens africanos a enfrentar crise em Portugal
27 de janeiro de 2015As marcas da crise em Portugal ainda se fazem sentir, com efeitos sociais gritantes para as famílias mais vulneráveis, que vivem com dificuldades financeiras.
Por motivos de saúde, Pércio Silva, nome verdadeiro do rapper Peka G-Boom, saiu de São Tomé e Príncipe com 16 anos e acabou por ficar em Portugal com a mãe.
Estudou e fez o curso de técnico comercial. Agora, aos 29 anos, não encontra emprego. A alternativa é produzir músicas para o mercado africano.
“Tenho expetativa de voltar para o meu país, mas não quero voltar enquanto não lançar o meu primeiro disco a solo”, confessa. É nisso que está a trabalhar actualmente com o grupo Império Suburbano, na Quinta do Mocho.
“Império Suburbano”, que também resultou num CD lançado em 2006, congrega vários jovens do bairro, que encontraram neste projeto uma forma de estar e de intervenção social.
“Eu costumo dizer que Império Suburbano é a nossa escola, porque foi aí que eu aprendi mais sobre hip hop, a compor e a ter uma linha certa de estilo do hip hop”, conta.
Mensagens positivas
O grupo passou a ser uma referência não só na Quinta do Mocho. Transmite mensagens positivas que ajudam a mudar mentalidades. Este movimento cultural cresce por motivação dos jovens com talento, antes desconhecidos, e que não tinham ocupação, explica Peka G-Boom.
Por causa da discriminação racial e de problemas com a polícia, os jovens começaram a ficar revoltados com o que se passava e não tinham como se exprimir, recorda o rapper.
“Então, o mentor do grupo, que trabalhava em associações aqui no bairro da Quinta do Mocho, teve a ideia de criar um grupo onde os jovens, em vez de irem para a rua criar distúrbios e fazer coisas negativas, pudessem ocupar o seu tempo a fazer rimas, ao nosso estilo.”
Foi assim que começaram a passar “uma mensagem construtiva a esses jovens”, sublinha Peka G-Boom. Jovens que querem mudar de vida, acrescenta, agora mais preocupados em estudar e descobrir um novo rumo.
“Quinta dos Talentos”
A ideia de outro projeto musical, designado “Quinta dos Talentos”, nasceu em abril de 2014. Oito jovens angolanos - Connetion, Kimizy, Luxuz, V3, Ludy Crazy Kwenda, Loyd West, Kimo Land e Hélio Brown - incentivados pelo embaixador de Angola em Portugal, José Marcos Barrica, lançaram mãos à obra.
“Estes jovens receberam o embaixador com as suas célebres músicas e ele gostou. Deu esse nome ao projecto e decidiu apoiar estes jovens”, conta Luxuz, nome pelo qual é conhecido Joaquim Binda, 31 anos, desempregado e líder do grupo.
Segundo Luxuz, que quer formar-se como engenheiro de som, o projecto consiste em “tirar estes jovens do seu habitat normal que é o bairro e levá-los para outros locais”, incluindo os meios de comunicação social, e fazer com que alguns tenham também mais experiência musical.
Mauro Francisco, outro músico, mais conhecido como Ludy Crazy Kwenda, formou-se como técnico de frio e climatização e procura agora emprego na sua área. Para ele, o projeto é mais do que um incentivo. “Estávamos todos à espera desta oportunidade”, confessa.
A par disso, contribuem com o seu talento para iniciativas de angariação de donativos, incluindo bens alimentares, destinados a ajudar os mais necessitados do bairro.
“Não há vitória sem luta”
Para Jerónimo David, executor do projeto, há razões para ter esperança. “É uma lufada de ar fresco para estes jovens se valorizarem e criarem auto-estima”. Algo que poderá servir de exemplo para outras comunidades, acredita Jerónimo David.
Ainda este ano, com o apoio das instituições angolanas, esperam lançar o primeiro álbum de originais, possivelmente com apresentação em Angola. Como afirmou Peka G-Boom, “não há vitória sem luta se nós quisermos alcançar a meta”.
“Se quisermos atingir algum objetivo temos que acreditar na nossa capacidade”, sublinhou, referindo que esta é a mensagem do seu próximo trabalho discográfico a sair, provavelmente, em meados deste ano.