1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Qual será o futuro dos objetos e património das ex-colónias?

6 de fevereiro de 2020

A devolução dos bens culturais trazidos para Portugal durante o período colonial voltou ao debate, depois da proposta de "descolonizar o conhecimento" apresentada por Joacine Katar, entretanto chumbada pelo Parlamento.

https://p.dw.com/p/3XKD4
Portugal Lissabon Parlament berät über OGE 2020
Foto: DW/João Carlos

A política de origem guineense Joacine Katar Moreira, que esta semana rompeu com o partido LIVRE, defende que todo o património das ex-colónias guardado em território português possa ser restituído aos países de origem, de forma a descolonizar os museus e monumentos estatais. No entanto, a proposta que visa "a descolonização do conhecimento histórico e cultural" foi chumbada, esta terça-feira (04.02), pelo Parlamento, no âmbito da aprovação em curso, na especialidade, do Orçamento Geral do Estado para 2020.

Portugal esteve em África durante séculos. O seu passado colonial está marcado por factos considerados bons e maus, que, apesar disso, não devem ser apagados, considera Paulo Rios de Oliveira, coordenador do Partido Social Democrata (PSD) na Comissão de Cultura da Assembleia da República Portuguesa. Pela relação histórica e de amizade que tem com as antigas colónias, nomeadamente em África, Portugal poderá, na base do diálogo, devolver noutros moldes os bens culturais guardados nos museus e arquivos portugueses – defende o deputado do principal partido da oposição.

Paulo Rios de Oliveira Koordinator der PSD-Partei in Portugal
Paulo Rios de Oliveira (PSD)Foto: DW/João Carlos

"Nesse contexto de verdadeira busca de soluções que aprofundem as relações que existem, admito que possa ser identificado um conjunto de bens que Portugal entregue de livre vontade; mais - entregue com vontade -, porque são importantes para esses países. Não porque estão a cobrar uma dívida, mas porque nós entendemos que isso ajuda a repor a História cultural. É aquilo que dois países irmãos entendem que é devido para aprofundarem essa amizade", afirmou o coordenador do PSD.

Por se tratar de um tema sério, Oliveira considera que foi inoportuna esta altura para a deputada Joacine Katar Moreira apresentar a proposta ao Parlamento, colocando-a da pior forma e no pior momento, no âmbito da discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado de 2020.

"Não é esta a maneira séria de discutir um tema que é sério. Depois, e juntamente com isto, dizer que depende de como pode ser construída uma proposta destas. Porque se é apenas apuramento do saldo do que é devido pelos países uns aos outros eu entendo que é entrar numa espiral muito complicada do que é que os países ao longo dos séculos entendem ser credores ou devedores uns dos outros", afirma o coordenador do PSD.

Diálogo e debate

E isto, acrescenta o deputado social-democrata, não impede outra reflexão, que visa colocar esta matéria na base de um amplo diálogo e debate. "Entre países, muitas vezes, que se querem bem, que curaram feridas, que querem aumentar e aprofundar as suas relações de fraternidade e que, nesse contexto de colaboração, diálogo e amizade, procedem à entrega uns aos outros de bens que, eventualmente do ponto de vista identitário, cultural e da existência do outro país, são excecionalmente relevantes", completa Oliveira.

Qual será o futuro dos objetos e património das ex-colónias?

A questão não é de acerto de contas ou de quem ganha e quem perde e nem sequer é económica, adverte Paulo de Oliveira. É uma questão de construção de pontes e de diálogo e, por esta via, encontrar soluções que, por um lado, salvaguardem obras ou artefatos importantes para os países que o reclamarem.

Contactado pela DW África, o Partido Socialista (PS) não quis fazer qualquer declaração a propósito. Para o Bloco de Esquerda (BE), que aprovou a proposta de Joacine Katar Moreira, este é um tema extremamente importante no âmbito de uma discussão relevante sobre o colonialismo, que deve ser acompanhada de um conjunto de outras medidas que ajudem a compreender a pertinência da proposta, como afirmou em nome do partido Beatriz Gomes Dias, coordenadora do grupo parlamentar na Comissão da Cultura.

"Portanto, o processo pode ser feito de diferentes perspetivas, com diferentes pontos de partida. Cada país deve tomar as suas decisões sobre a sua História e eu acho que esta é uma decisão importante que nós devemos tomar sobre a nossa história; tomar decisões sobre como nós vamos lidar com esse período histórico na contemporaneidade", considera a coordenadora.

Justiça histórica

Para a deputada, também de origem guineense, não se deve criar ruído na discussão sobre este tema, porque não se trata de um ataque à História de Portugal. "Trata-se da correção de uma justiça histórica que nós achamos que é relevante fazer da mesma forma que outros países o fizeram - e nós não temos que imitar os outros países. Nós vamos fazer os nossos processos e nós, um grupo de portugueses considera que este processo é importante e tem que ser feito", afirma a deputada.

Beatriz Gomes Dias - Präsidentin des Anti-Rassismus Verband Djass
Beatriz Gomes Dias (BE)Foto: DW/J. Cigainero

Deu, a propósito, o exemplo do processo desencadeado entre a Holanda e a Indonésia, para a recuperação de peças de arte. "E, pelo que eu sei, a Indonésia reclamou apenas 15% das peças que tinham sido indicadas pelo Governo holandês", explicou Beatriz Gomes.

Tal como foi apresentada, a proposta não mereceu a concordância da maioria dos partidos, mas, na opinião de Beatriz Gomes, isto não quer dizer que a discussão não possa ser feita. "Portanto, este assunto ainda não tem uma maioria social que a apoie e a torne vencedora, mas isto não quer dizer, a partir do chumbo desta proposta, que ela seja arredada do espaço público. Pelo contrário, esta proposta também contribuiu para trazer mais dados para a discussão", completa a coordenadora.

Chumbo da proposta

Neste contexto, a discussão está longe de ter sido encerrada com o chumbo da proposta pelo Parlamento português. Para Beatriz Gomes, haverá devolução dos objetos de arte aos países de origem se esta for a conclusão do debate que se deve fazer sobre este tema. Isto passaria por uma avaliação real do que foi a História de Portugal, do que é que aconteceu.

"De como é que os objetos foram obtidos, como é que eles estão cá, como é que a cultura daquelas populações foi tratada durante este período histórico e, depois, como é que esses objetos, que hoje são apresentados em museus com toda a importância que lhes é atribuído, da mesma forma se atribui a essas culturas adjetivos como incivilizado e primitivo. Portanto, isso também permite-nos discutir o contributo das civilizações africanas para a cultura, para o desenvolvimento civilizacional, tecnológico; permite-nos obter uma informação que é muito preciosa para poder falar do avesso desta História oficial e dos temas que não são discutidos e que não são contados", conclui Beatriz Gomes.

Há pouco mais de um ano, Angola manifestou o interesse de reaver objetos culturais em museus portugueses. No entanto, nunca houve um pedido oficial. A DW África tentou obter uma reação da Embaixada de Angola em Portugal mas, até ao fecho da matéria, não foi possível obter uma resposta ao nosso pedido. 

"Tenho muita honra em ter participado na descolonização"