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Rafael Marques falou sobre o caso do Huambo

Nádia Issufo30 de abril de 2015

Em entrevista à DW África, o jornalista e ativista Rafael Marques falou sobre o caso do Huambo e criticou a ação das autoridades e a ausência de um inquérito para apurar o que se passou realmente.

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Rafael Marques
Foto: DW/J. Beck

Na província angolana do Huambo continua a haver mortes no contexto do caso Kalupeteka. De acordo com o site Maka Angola, cerca de 30 aldeões foram mortos na última segunda-feira (27.04) durante uma operação policial que procurava crentes da seita “Sétimo Dia - A Luz do Mundo”, liderada por José Kalupeteka. As informações sobre este caso são contraditórias, e há uma grande discrepância em relação ao número de vítimas. Também não existem ainda sinais de uma comissão de inquérito independente.

A DW África entrevistou Rafael Marques, jornalista e ativista angolano dos direitos humanos, que falou sobre a forma como o caso está a ser tratado.

DW África: Como é que se pode esclarecer definitivamente o que aconteceu?

Rafael Marques (RM): É importante em primeiro lugar afirmar que os números que estão a ser apresentados não são contraditórios. Os primeiros dados a que eu tive acesso, e eu falei com militares e agentes policiais que estiveram envolvidos na operação, apontavam para que no primeiro dia, poucas horas depois de terem iniciado o fogo, já havia mais de 200 mortos. Depende do que as pessoas estão a dizer: houve umas que tiveram os dados horas depois do incidente, outras que tiveram dias depois, e então os números foram crescendo, por isso é que eu não vejo uma contradição. É óbvio que para nós termos certezas sobre estes números é necessário que se faça uma investigação. Na minha modesta análise, uma vez que o Governo continua a impedir o acesso de membros da sociedade civil, jornalistas e outras figuras independentes, e até mesmo da população em geral à área sinistrada, é legítimo que as pessoas avancem os números que têm, porque o Governo controla a informação e diz que não houve massacre porque não permite que as pessoas lá cheguem.

DW África: A oposição, a sociedade civil e outros citam testemunhas entretanto não identificadas, provavelmente por medo de represálias. Como é que este caso pode deixar de ter um caráter de boato, e passar a ser tratado devidamente?

RM: As pessoas estão a tentar tratar a questão com seriedade. Eu, por exemplo, falei com muitas pessoas, mas eu não posso dizer que falei com a ministra A, com o agente da polícia B, com um membro da sociedade civil ou com o sobrevivente tal, porque isto oferece um grande perigo para estas pessoas. Há dias, por exemplo, os serviços de segurança começaram a fazer vistoria dos telefones dos soldados e dos agentes policiais envolvidos na operação para apagarem as imagens, e algumas destas imagens foram tornadas públicas. Então as pessoas têm dados concretos, sabem os nomes. As pessoas que estavam fugidas nas matas estão a chegar a Luanda e a outros pontos do país, onde estão a falar, mas há um medo grande porque as operações de caça a membros da seita do Kalupeteka estão a estender-se por várias partes do país, sobretudo no centro-sul, onde a violência política tem sempre uma justificação, porque pode sempre ser apontada como sendo instigada pela UNITA, que durante muitos anos teve ali os seus principais bastiões.

Rafael Marques Journalist Angola
Rafael Marques acredita que os responsáveis por estas mortes irão ser responsabilizados.Foto: DW/N.Sul d'Angola

DW África: As autoridades têm pautado a sua atuação por um postura ambígua, em que nalguns momentos mostram abertura e disponibilidade, e noutros barram a sociedade civil e a oposição. Como vê isso?

RM: Não é uma posição ambígua, é uma posição de controlo de poder. Naquilo que interessa o Governo demonstrar que até permite alguma abertura, assim o faz. Onde essa abertura entre em conflito com as suas más práticas, fecham. E a democracia não pode ter a vontade de um Governo abrir e fechar de acordo com o seu livre arbítrio.

DW África: A morte dos agentes da polícia coloca em causa a estrutura da polícia angolana no que diz respeito à força e competência, e ela é vista como um dos principais instrumentos de repressão em Angola. A resposta violenta da polícia neste caso é uma tentativa de repor a imagem e força deste órgão?

RM: É uma ação premeditada, e é uma ação pela qual os altos dirigentes da polícia nacional do Governo provincial do Huambo, e outros que estiveram envolvidos, tarde ou cedo deverão ser responsabilizados, e deverão ser chamados a prestar declarações sobre o seu envolvimento e sobre que tipo de ordens é que deram. Quando o Presidente falou concretamente que esta seita tem que ser desmantelada e que tem de haver caça, não explicou que não se devem perseguir as pessoas. Não está a haver da parte das autoridades quaisquer medidas para fazer um inquérito sobre o que correu mal nessa operação, e sobre como é que a polícia teve tanta liberdade para chacinar tantas pessoas da forma como o fez.

DW África: Relativamente à liberdade religiosa, que efeitos pode ter este caso para outras religiões consideradas ilegais pelo Governo angolano?

"Quando as seitas são benéficas para o MPLA, tornam-se bem-vindas", diz Rafael Marques

RM: Eu publiquei uma foto no texto sobre o Kalupeteka do secretário provincial do MPLA nas eleições de 2012, com vários líderes dessas seitas religiosas. Quando estas seitas são benéficas para o angariamento de votos, para a ascensão do poder político do MPLA, elas são muito bem-vindas e são usadas para esse efeito. Quando estas seitas se tornam desobedientes em relação ao poder político, aí já se tornam perigosas e já são apelidadas de fundamentalistas.

UNITA pede inquérito à ONU sobre as mortes no Huambo

O maior partido da oposição solicitou à Organização das Nações Unidas (ONU) a realização de um inquérito rigoroso e imparcial sobre as mortes na província do Huambo. A UNITA condenou os assassínios, o clima de terror que se instalou e as violações de direitos humanos que terão sido levadas a cabo pelas autoridades.

As declarações constam de um comunicado divulgado nesta quinta-feira (30.04), após uma reunião extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política do partido.

A UNITA reforçou ainda que apesar de as autoridades governamentais do Huambo terem autorizado a visita dos deputados ao local do crime, esta acabou por ser impedida.

O comandante provincial do Huambo da Polícia Nacional, Elias Livulo, voltou a declarar que os confrontos entre a polícia e a seita “Sétimo dia – A Luz do Mundo” provocou a morte de 13 civis e de nove polícias, e desafiou a UNITA, que afirmou que o número de vítimas mortais foi de 1.080, a apresentar provas da sua acusação.

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