"Queimaram tudo na minha casa"
29 de janeiro de 2016Luísa Mateus, camponesa e mãe de quatro crianças, está no centro de acolhimento de Kapise, no sudoeste do Malawi, desde o final de novembro de 2015. Todos os seus pertences foram destruídos, alegadamente pelas forças de defesa moçambicanas.
"Queimaram tudo dentro da minha casa. Até abandonei a minha 'machamba'", diz.
Estima-se que, tal como Luísa Mateus, cerca de três mil moçambicanos tenham fugido para o Malawi, à procura de abrigo, desde junho do ano passado, altura que se começaram a registar confrontos entre as forças governamentais e os homens armados do maior partido da oposição, a RENAMO, na província de Tete.
Muitos refugiados estão acomodados nos centros de acolhimento de Kapise e Chikwawa, distrito de Mwanza, a cerca de 130 quilómetros da cidade moçambicana de Tete. Segundo responsáveis do centro de acolhimento, só em Kapise estão mais de 1.800 refugiados. As Nações Unidas alertaram, a 15 de janeiro, para um aumento do número de refugiados nas últimas semanas.
Refugiados vindos da localidade de Nkondedzi, distrito de Moatize, acusam as forças de segurança de violarem mulheres e queimarem casas e celeiros de populares – supostamente por apoiarem homens armados da RENAMO.
"Fugimos porque as nossas casas foram incendiadas. Muitas pessoas foram mortas e mulheres estão sendo violadas", conta Adelino Benedito, que está no distrito de Mwanza desde junho passado, na companhia dos seus nove filhos e duas esposas. Benedito não pensa regressar a Moçambique antes do fim da tensão política.
"São preguiçosos"
As autoridades negam as acusações. O comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Jorge Khalau, rejeita que as forças de defesa tenham torturado civis em Nkondedzi: "Não é verdade que eles estão a fugir da polícia. Eles estão a fugir desta barbaridade, desta situação de rapto que a RENAMO está fazendo", declarou Khalau numa conferência de imprensa, na sexta-feira (22.01).
Segundo Jorge Jasse, chefe do posto administrativo de Zóbue, distrito de Moatize, não há moçambicanos a fugir para o Malawi – antes malawianos que atravessam a fronteira para Moçambique, onde praticam agricultura, e que com a tensão político-militar na província de Tete regressaram ao país de origem.
"Isso é montagem. Esses não são moçambicanos", afirma Jasse. "São preguiçosos que não querem trabalhar a terra e que se acumulam aí para o Governo lhes dar comida."
Moçambique e Malawi partilham uma vasta fronteira aberta.
Vida difícil
No centro de acolhimento de Kapise, muitos refugiados são acomodados em tendas e cabanas improvisadas, e passam por muitas dificuldades. "Fazemos biscates nas comunidades locais para ter comida suficiente. Não temos roupa e produtos de limpeza", diz um dos refugiados, Matias Khobwe.
Edgar Chihama, chefe de plano de desenvolvimento do distrito de Mwanza, reconhece os problemas nos centros de acolhimento. Mas, segundo ele, faltam fundos para oferecer melhores condições de estadia aos refugiados: "Dependemos dos apoios de terceiros, como o Programa Alimentar Mundial (PAM), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os Médicos Sem Fronteiras e a Oxfam, entre outros."
A refugiada Luísa Mateus diz que já pediu ajuda ao Governo moçambicano para adquirir utensílios e recipientes para conservar água. Segundo Mateus, só o Executivo de Maputo tem o dever de prestar auxílio tendo em conta que os refugiados são moçambicanos.
Citada pela imprensa local, a secretária permanente do Governo Provincial de Tete, Lina Portugal, disse que será enviada uma equipa ao Malawi para averiguar as condições nos centros de acomodação.
Entretanto, a situação militar em Nkondedzi continua tensa. Muitos camponeses estão impedidos de visitar os seus campos de cultivo, localizados nas zonas de confrontos.
No distrito de Moatize, cerca de duas mil crianças não fizeram os exames finais no ano passado, segundo dados oficiais. A Direção Provincial de Educação e Desenvolvimento Humano de Tete ainda não sabe quantas crianças poderão ficar impedidas de ir à escola este ano.