Quem é João Lourenço, o terceiro Presidente de Angola?
26 de setembro de 2017João Lourenço, 63 anos, foi um dos seis candidatos a Presidente de Angola e concorreu pelo MPLA, o partido no poder desde a independência do país em 1975. Como o MPLA teve o maior número de votos, segundo a Constituição de Angola, o seu candidato de topo sucede a José Eduardo dos Santos na Presidência de Angola.
Lourenço foi sempre uma das figuras da cúpula do partido no poder em Angola, que muitos viam como um dos potenciais sucessores do atual Presidente José Eduardo dos Santos, que se encontra no poder há 38 anos.
Antes de ser escolhido por José Eduardo dos Santos como seu segundo homem no partido, no congresso de agosto do ano passado, e cinco meses depois como o seu sucessor à presidência da República, João Lourenço teve de fazer uma longa travessia no deserto na sequência de declarações que foram consideradas inapropriadas.
Marido, pai e político
Militar de carreira e general na reserva, João Manuel Gonçalves Lourenço há dois dias (24.07) foi dispensado do seu cargo como ministro da Defesa, para se dedicar à campanha eleitoral.
Lincenciou-se em Ciências Históricas, na antiga União Soviética, e é casado com a antiga ministra do Planeamento e consultora do Banco Mundial, Ana Dias Lourenço, e pai de seis filhos. A sua biografia oficial diz que os seus passatempos são a leitura, o xadrez e a equitação.
Teve vários cargos: foi governador provincial de Benguela e do Moxico, entre 1992 e 1997; secretário do Bureau Politico do MPLA para a informação; deputado à Assembleia Nacional, tendo ocupado nessa altura a função de Presidente da bancada parlamentar do MPLA e, entre 1998 e 2003, desempenhou as funções de secretário-geral do partido.
Regresso aos holofotes
Nessa altura, caiu em desgraça. No V Congresso Ordinário do MPLA, as suas declarações a dois jornais independentes de Luanda, já extintos, afirmou que existiam outras figuras capazes para dirigir o MPLA e o país, após o presidente José Eduardo dos Santos ter admitido a intenção de abandonar a liderança do partido e do país por, naquela altura, com o fim da guerra, ter chegado à conclusão que já tinha cumprido a sua missão.
Declarações que afinal pareciam uma ratoeira para a descoberta dos seus opositores internos e João Lourenço mordeu a isca. 12 anos depois, regressa aos holofotes pela mesma mão que o havia atirado para o deserto.
Depois de ganhar as eleições?
Depois de ser declarado o vencedor das eleições de 23 de agosto, João Lourenço encontra um país em absoluto contraste em vários setores da vida nacional. Desde o fim da guerra em 2002, Angola tem registado um crescimento nos setores das infraestruturas, construção de estradas, escolas e hospitais.
Surgiram novos aeroportos desde 2002 e foram construídos vários projetos habitacionais em quase todas as províncias, denominadas por centralidades. O fornecimento de energia elétrica e da água tem vindo a melhorar significativamente, embora de forma deficitária.
Apesar desse quadro, Lourenço poderá encontrar um país com mais problemas por resolver, contrariamente ao que dizem as estatísticas do Governo. Por exemplo, nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) Angola é o pior país onde se fazer negócios, segundo dados do Banco Mundial de 2016. Aliás, o país está na lista das dez nações mundiais onde é mais difícil estabelecer um investimento.
Angola encontra-se ainda entre os três piores países do mundo no acesso a água potável, segundo o Conselho Mundial da Água, num relatório publicado em março deste ano.
No Índice do Progresso Social, que avalia os países segundo a qualidade de vida da população, medida através de variáveis como o acesso a água potável, habitação, saúde e educação, Angola é colocada na quarta posição na lista dos piores do mundo, apenas à frente do Chade, Afeganistão e República Centro-Africana.
João Lourenço ainda encontra um país com a maior taxa de mortalidade infantil do mundo, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Um país em mudança
A corrupção e a burocracia constituem os principais empecilhos para o desenvolvimento do país. Angola é um país onde as instituições do Estado, particularmente os tribunais, não estão a ser capazes de combater a corrupção.
As várias denúncias de casos de corrupção com provas apresentadas que envolvem altas figuras do regime angolano põem refém o atual estado de coisas. É o caso do próprio Presidente José Eduardo dos Santos, do procurador-geral João Maria de Sousa e até mesmo do juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira.
Pior do que isso, o jornalista e defensor dos direitos humanos, Rafael Marques de Morais, numa entrevista à DW África, conduzida antes das eleições, afirmou que quem é suspeito de corrupção é promovido.
"Regra geral, o Presidente promove aqueles que são considerados os mais corruptos. Dá-lhes toda a proteção política e jurídica para que não sejam responsabilizados pelos seus atos. E o país, de forma bastante clara, está afetado", disse à DW África.
Corrupção em Angola
No entanto, na abertura da campanha do MPLA (26.07), João Lourenço insistiu no combate à corrupção para garantir a robustez da economia angolana. "Se falharmos no combate à corrupção, continuaremos com uma economia débil", defende o candidato.
Sublinhou ainda que a corrupção está a afastar o investimento estrangeiro, necessário para o desenvolvimento do país. "Que fique claro que, se falharmos neste combate à corrupção, falharemos também na melhor organização da nossa economia. Vamos continuar a ter uma economia débil, porque não vamos conseguir atrair os investidores", salienta Lourenço.
Apesar do mau estado da nação em todos os aspetos da vida nacional, João Lourenço, o candidato do MPLA, diz que o país está num bom ritmo. "Estamos a garantir o progresso e o desenvolvimento. A criar novos postos de trabalho. A melhorar a saúde e a educação, estamos a construir um país com menos desigualdades e progressivamente a diminuir a pobreza".
Adianta que "vamos aproveitar os recursos de cada comuna, município e província, e fazer investimentos que garantam mais emprego e assim construir uma Angola de mais igualdade".
Contradições
João Lourenço enfrentará uma oposição de peso dentro do seu partido, no que diz respeito às suas promessas eleitorais de combate à corrupção. Aliás, ele próprio tem interesses em vários conglomerados empresariais: é acionista do Banco Sol e do Banco Angolano de Investimentos (BAI). Tem também ações da Orion – Agência de Publicidade e Produção, empresa que surge no escândalo de corrupção da Lava Jato no Brasil, como tendo recebido 15 milhões de dólares de suborno da multinacional brasileira Odebrecth.
É dono de um condomínio no luxuoso bairro de Talatona, em Luanda, construído com o financiamento do Banco BIC de Isabel dos Santos, a filha de José Eduardo dos Santos.
O nome de João Lourenço surge ainda no escândalo financeiro que levou à falência do Banco do Espírito Santo Angola (BESA). Entre os 67 nomes da lista, João Lourenço aparece como tendo sido uma das figuras do regime que terá recebido milhões de dólares de empréstimo sem qualquer garantia.
Promessas eleitorais
Por essas e outras razões, o jornalista e presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Angola), Alexandre Neto Solombe, diz que as promessas eleitorais de Lourenço não são para ser levadas a sério, por supostamente ter enriquecido de forma ilícita e à custa do Estado.
Para Alexandre Solombe, "abstraindo aquela figura de alguém que está com uma arma na mão, apontada para sua própria cabeça, só se quisesse liquidar-se ou suicidar-se para efetivamente começar o combate à corrupção".
Pelo contrário, junto da opinião pública, e mesmo nalguns setores do seu partido, João Lourenço é a esperança que se renova.
"Tenho a plena certeza de que o camarada João Lourenço vai levar este país mais além", avança um membro do MPLA. "Todos os angolanos estão a depositar esperança no João Lourenço porque seguramente ele vai trazer aquilo que está faltar e que é o desenvolvimento".
Por agora, devido à imprevisibilidade do atual Presidente do MPLA e da República, não se sabe ao certo se José Eduardo dos Santos poderá indicar João Lourenço como seu sucessor na presidência do partido quando decidir retirar-se da vida política.