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Registo eleitoral: "Mortos podem servir para alguma coisa"

Nelson Camuto (São Paulo)
31 de março de 2022

Em Angola, a sociedade civil pede mais tempo e uma auditoria ao registo eleitoral. João Malavindele, da ONG OMUNGA, considera suspeita a dificuldade do Governo angolano em identificar o número de mortes no processo.

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João Malavindele: "É quase uma unânime a desconfiança que os cidadãos têm para com as nossas instituições"Foto: G. Correia da Silva/DW

Nove organizações não-governamentais angolanas e membros da sociedade civil apelam ao Executivo que prolongue o prazo para o registo eleitoral face à "insatisfação exposta em Angola e na diáspora" pelo mau funcionamento dos balcões de atendimento. Até ao momento, o prazo termina esta quinta-feira (31.03).

Numa carta dirigida ao ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Marcy Lopes, as nove organizações (Friends of Angola, OMUNGA, Associação Justiça Paz e Democracia, SOS Habitat, Projecto Agir, Plataforma de Reflexão ANGOLA - Associação Cívica "Angolreflex", Angola - Voto na Diáspora - A.V.D., União da Diáspora Angolana - U.D.A e Rede de Activistas de Benguela) e 15 membros da sociedade civil pedem a prorrogação do prazo por mais 30 dias.

Na passada sexta-feira (25.03), o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, referiu que, até à data, cerca de 10,2 milhões de cidadãos estão aptos a votar, mas que é difícil identificar os falecidos, "muitos cidadãos morrem e são sepultados em cemitérios locais, muitos deles nem sequer são conhecidos".

João Malavindele, coordenador da ONG OMUNGA, recordou a situação que ocorreu em 2008, em Lunda, onde o número de pessoas que fez o registo foi também o número exato de pessoas que votou. João Malavindele frisou que os falecidos, que não são dados como tal, e que se encontram registados "podem servir para alguma coisa".

 João Malavindele, diretor executivo da OMUNGA
João Malavindele, diretor executivo da OMUNGAFoto: Borralho Ndomba/DW

DW África: Há pessoas que querem votar, mas não vão poder, pela forma como está a decorrer o processo eleitoral?

João Malavindele (JM): Sim, primeiro há essa questão de muita desinformação. Começa tudo com esse processo que está a ser feito agora de atualização, agora com a figura do registo oficioso. Neste momento, aqueles que participaram já na eleição passada e que eventualmente mudaram de residência são obrigados a atualizar os seus dados. As condições que foram criadas até agora não facilitam, no sentido de que as pessoas se sintam à vontade, com aquela ansiedade de ir a correr aos postos que é para fazerem essa atualização. Há muita gente, o processo é muito demoroso.

DW África: Quantas pessoas vão ficar impedidas de participar? O número de pessoas que se registou até aqui era o que se esperava?

JM: Temo-nos estado a deparar com muita gente que ainda não fez a sua atualização. Isso para nós pode servir como um indicador, e não é de abstenção. A sociedade civil e algumas vozes já falam da prorrogação do processo de registo.

DW África: Como descreve o funcionamento dos balcões de atendimento para o registo eleitoral? Nem a abertura dos balcões ao domingo ajudou?

JM: Ajudou até certo ponto, mas ainda assim tudo têm a ver com questões técnicas. Estamos a falar de um atendimento muito lento. Hoje, faltando dois dias, ainda se regista muita gente nos balcões. Devia-se encontrar uma outra metodologia. Estamos a falar de um município, como o Lobito, por exemplo, onde habitam mais de dois milhões de pessoas, e só tem dois/três postos.

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DW África: Houve pessoas que deixaram tudo para a última hora, como disse o Governo? O Governo disse ainda este mês que não havia quaisquer irregularidades…

JM: Sim, essa questão é complexa. É quase uma unânime a desconfiança que os cidadãos têm para com as nossas instituições. As próprias instituições também nos ensinaram mesmo assim. Temos agora como exemplo o tempo que o Tribunal Constitucional levou para poder anotar os congressos dos partidos. É tudo em cima da hora. Só ontem a faltar dois dias é que se tornaram públicas as anotações dos congressos. Claro que há pessoas que se identificam com um ou outro partido. Se o partido está na iminência de não ser reconhecido, a faltarem quatro ou cinco meses, cria-se logo esse ambiente de suspensão.

DW África: O que pensa das declarações do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, quando diz que foram identificados mais de 10 milhões de cidadãos para votar, mas que há dificuldade em identificar os falecidos? O que pode resultar daqui?

JM: Podem servir para alguma coisa os mortos. Nós já tivemos algumas experiências, por exemplo, em 2008, se a memória não me atraiçoa, acho que na região da Lunda Sul ou Norte, onde o número de pessoas que havia feito o registo também foi o número de pessoas que votaram. A pergunta é: será que, durante esse percurso do registo eleitoral, ninguém faleceu? Ninguém ficou impedido de ir votar no dia da eleições? Ninguém ficou doente? Todos os que fizeram o registo foram votar? Há necessidade de, mais uma vez, fazer uma auditoria do ficheiro onde estão os dados das pessoas.

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