Relação Brasil-África "poderá voltar ao que era"
31 de outubro de 2022Apesar dos grandes desafios que o Presidente eleito do Brasil vai ter pela frente, haverá espaço para parcerias com os países africanos. É o que defende o analista luso-angolano Eugénio da Costa Almeida, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
No entanto, em entrevista à DW, o investigador alerta que, apesar da derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, estas eleições mostraram que o "bolsonarismo" veio para ficar em muitos estados e no Parlamento brasileiro, com a eleição expressiva de alguns candidatos aliados do atual Presidente.
Luiz Inácio Lula da Silva vai, então, ter que lidar com essa e outras questões internas para depois definir as linhas de cooperação com África, em especial com os países africanos de língua oficial portuguesa, como Angola e Moçambique.
DW África: O que representa o regresso de Lula da Silva à Presidência da República do Brasil?
Eugénio da Costa Almeida (EA): A expetativa é que, com Lula da Silva, as relações com África possam voltar ao que eram. Ele ontem falou nessa possibilidade. Tendo em conta os dois consulados de Lula da Silva, haverá uma maior aproximação ou um retorno, porque é evidente que, depois dele, [a relação esfriou] com Dilma Rousseff na Presidência, e Bolsonarotambém nada fez para melhorar ou incrementar as relações.
DW África: No primeiro discurso como Presidente eleito, Lula da Silva relembrou o momento em que o Brasil foi um grande parceiro de África durante o seu Governo (entre 2003 e 2010). Mas agora o país tem grandes desafios pela frente, há muita coisa para arrumar em casa. Na sua avaliação, haverá espaço para parcerias com África no novo Governo Lula?
EA: Haverá. É preciso não esquecer que um dos pontos da política externa de Bolsonaro foram os BRICS, e um dos países que faz parte dos BRICS é a África do Sul. Há essa aproximação muito forte. Uma coisa não invalidará a outra.
É evidente que o Brasil está dividido. Lula vai ter esse grande problema. Teoricamente, com este resultado, Bolsonaro vai-se embora, mas o bolsonarismo ficou, e viu-se isso nas eleições estaduais. Vai ser um condicionante muito grande para Lula da Silva
DW África: Lula da Silva saberá dar a volta a essa questão?
EA: Creio que sim, e tem todas as condições para isso.
DW África: Falando especificamente dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: Durante a era Lula, o Brasil teve uma relação muito próxima com Angola e Moçambique, por exemplo. Mas muita coisa mudou nesses países de lá para cá, inclusive os Presidentes. Consegue ver novas relações sendo construídas?
EA: Várias empresas brasileiras continuam em Angola, por exemplo. Algumas são importantes, nomeadamente na questão do biodiesel e até na construção. Não me parece que essas relações diminuam, até porque houve sempre laços muito estreitos entre Angola e o Brasil, independentemente de quem estava no poder dos dois lados.
Em Moçambique, é a mesma coisa. Em doze anos, muita coisa mudou, mas também sabemos que, há doze anos, alguns dos que estão no poder hoje já estavam ligados ao poder na altura. Portanto, não há alterações substanciais na evolução da linha política que norteia os dirigentes atuais. Mas antes é preciso ter em conta que Lula vai ter que resolver muitos problemas internos. Não sabemos quem é que vai estar nos principais cargos ministeriais, nomeadamente das Relações Exteriores.
DW África: Em que área acha que o Brasil poderia contribuir mais em relação a África, especificamente nos PALOP?
EA: Tudo vai depender daquilo que for tratado entre as partes. Os países africanos precisam de muita coisa e o Brasil também. Há coisas que talvez os países africanos não precisem tanto, por exemplo de mais soja ou produtos para o biodiesel. Mas há outras formas de apoio, por exemplo o desenvolvimento industrial. Lula diz que vai reindustrializar o Brasil, e, em termos de cooperação, isso também pode ajudar a indústria dos países africanos, em particular os países de língua oficial portuguesa.