O que significa a conversa entre Zelensky e Nyusi?
7 de julho de 2022O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, conversou na quarta-feira (06.07) com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o que tem levantado várias questões sobre de que lado da guerra está Moçambique.
Filipe Nyusi utilizou as redes sociais para informar sobre o conteúdo da conversa, que se centrou na crise alimentar gerada pela invasão russa da Ucrânia.
O Presidente moçambicano disse ter lamentado "a perda de mais de dez mil vidas humanas e mais de doze milhões de deslocados, bem como a destruição de infraestruturas" na Ucrânia, e reforçado a posição de neutralidade tomada por Moçambique em relação ao conflito.
Em entrevista à DW África, o analista político moçambicano Calton Cadeado diz que "Maputo não está a mudar de lado". Pode estar, sim, a encarar a conversa com Volodymyr Zelensky como uma "oportunidade" para se aproximar dos países Ocidentais e "exportar o gás moçambicano para o mundo".
DW África: Na sua opinião, o que significa a conversa entre o Presidente Moçambicano e o Presidente Ucraniano: uma aproximação entre Maputo e Kiev?
Calton Cadeado (CC): Do ponto de vista político, há uma mensagem que está a ser transmitida pelo Estado moçambicano: é que o Estado não toma partido, em relação a este conflito. Acredito que esta seja uma aproximação entre os dois estadistas, mas não significa que a porta esteja fechada para uma aproximação de diálogo entre os dois estadistas e o Presidente da Rússia. Provavelmente o passo seguinte será uma conversa com o Presidente Vladimir Putin.
DW África: Esta conversa não terá sido para agradar os parceiros internacionais de Maputo?
CC: Essa é primeira interpretação que qualquer um faria da leitura desta conversa. Primeiro, há um elemento chamado Conselho de Segurança das Nações Unidas. Moçambique entrou no Conselho de Segurança da ONU e teve o voto inclusive da Ucrânia. Segundo, Moçambique está também a usar este momento para fazer o seu charme diplomático, por integrar o próximo grupo que vai entrar no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Desta forma pode medir a temperatura com os principais intervenientes deste conflito.
Já sabemos que a posição de Moçambique é de neutralidade. Aliás, o conteúdo da conversa revela que o Presidente aproveitou a conversa para reafirmar ou para partilhar com o Presidente ucraniano a posição de neutralidade de Moçambique e explicar os motivos.
DW África: Moçambique tem uma relação bastante estreita com a Rússia. Está Maputo a mudar de lado?
CC: Com certeza que não. Nós falamos de uma relação estreita com a Rússia e esquecemo-nos que o momento em que foi construída esta relação estreita incluía a Ucrânia, mas, obviamente o legado, a condução dessa relação sempre esteve no comando russo. Então, há uma relação de proximidade histórica também com a Ucrânia. Acredito eu, especulando que o Presidente pode ter feito uso desse aspeto na conversa que tomou com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
DW África: A conversa entre Maputo e Kiev não incomoda Moscovo?
CC: Se dependesse de Moscovo, Moçambique não falava com ninguém que tem apoiado o Volodymyr Zelensky. Há aqui uma tentativa muito grande de todos eles, incluindo a Ucrânia, de mostrarem que têm apoio mundial. E a Rússia não tem o apoio do Ocidente. Por isso, precisa de todo o apoio que venha de fora. Como nós não sabemos de quem foi a iniciativa do contacto, porque não especular? E sublinho, novamente, a palavra especular, que este encontro aconteceu depois de o Presidente de Moçambique ter consultado ou falado com o Presidente da Rússia.
DW África: Moçambique confia em todos os que lhe deem vantagens na defesa dos seus interesses nacionais? Que interesses é que Moçambique pode ter neste momento?
CC: Neste momento, Moçambique vê uma oportunidade para poder vender o gás para o mundo, que está a precisar de gás, sobretudo o mundo ocidental. Atualmente, o país está a investir muito na sua diplomacia económica e na sua diplomacia política. Ao fazer este telefonema, mesmo sendo um telefonema para reafirmar a neutralidade, os ocidentais, que não hesitam em apoiar a Ucrânia, já conseguem ver e acreditar mais na neutralidade de Moçambique.