RENAMO: Mudança na lei eleitoral é "atentado à democracia"
29 de março de 2023O Parlamento moçambicano aprovou esta quarta-feira (29.03), numa sessão boicotada pela oposição, a alteração do prazo de marcação de eleições gerais.
Com esta mudança, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) conseguiu adiar o anúncio da data das eleições de abril para julho. O partido no poder insiste que é preciso mais tempo para refletir sobre a viabilidade das eleições distritais.
Mas a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) considera que o objetivo da FRELIMO é retirar as eleições distritais da Constituição moçambicana, sem os votos da oposição, e rever a legislação "de forma ordinária".
Em entrevista à DW, Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada do maior partido da oposição, diz estar em curso um "atentado à democracia" e fala num eventual regresso aos tempos do partido único em Moçambique.
DW África: A RENAMO considera que o objetivo da FRELIMO, com estas alterações à lei eleitoral, é retirar as eleições distritais da Constituição moçambicana, sem os votos da oposição?
Arnaldo Chalaua (AC): É exatamente isso. E é triste e lamentável, porque a legislação eleitoral foi aprovada inicialmente através de um diálogo entre o então presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, e Filipe Nyusi, Presidente da República. Não faz sentido. E não deve ser por mortis causa que se deve violar o acordo. O acordo foi transformado em lei. Portanto, porque aprovada ou ratificada a data de realização de eleições com antecedência mínima de 18 meses para 15 meses, eles terão alguma oportunidade de rever a Constituição.
Estavam a contar com a oposição, com a RENAMO, mas perceberam que não é possível a RENAMO aprovar uma alteração da Constituição.
DW África: Estamos perante uma estratégia da FRELIMO para rever a Constituição, como disse, sem o aval da oposição?
AC: Sim. Vão rever a lei eleitoral, assim como aconteceu, e depois vão alterar as datas de 18 meses para 15 meses, e terão um espaço de três meses, o remanescente. Depois vão assumir poderes ordinários para rever a Constituição apenas com 2/3 [dos deputados]. E eles têm 2/3. Isto vai permitir-lhes fazerem vários ensaios na mexida da Constituição da República e usarem um modelo ao gosto deles, longe de a oposição participar e dar uma contribuição.
A revisão da Constituição, como um instrumento que deve conformar as partes, deve reunir algum consenso. E agora o que estão a fazer é procurar formas de como rever a Constituição a ferro quente, usando a ditadura e abuso de poder. Neste caso, também podemos aqui dizer que há uma tentativa flagrante de voltar ao tempo do partido único, onde a FRELIMO fazia e desfazia. Mas já estamos em multipartidarismo. Estamos numa democracia e essa democracia está a ser posta em causa.
A RENAMO fez uma manifestação em frente ao plenário, repudiando, rejeitando esta manifestação do partido FRELIMO. E de forma vergonhosa, continuaram a ir em frente. Aprovaram a proposta e desligaram o sistema de som da Assembleia da República. Ou seja, os deputados da RENAMO não tiveram acesso à palavra. Era para manifestarmos a nossa indignação.
DW África: Perante este atentado à democracia, como disse, qual será agora o próximo passo da RENAMO?
AC: Há uma vontade manifestada pela bancada maioritária. Ela não tem que violar a Constituição e também não deve, de forma orgânica, violar aquele que tem a competência para fixar as datas de realização de eleições. Isto foi feito pelo Conselho Constitucional. Devia ser este órgão a fazê-lo, e não a Assembleia da República tomar um poder alheio a si. Não é um Presidente da República, uma bancada maioritária, que deve atentar contra este órgão, violando e colocando uma proposta de revisão de datas eleitorais.
DW África: Diz-se nos meios políticos que estas mudanças na Constituição moçambicana podem também indicar que há aqui uma tentativa de viabilizar um terceiro mandato presidencial. A RENAMO teme este cenário?
AC: Temos a mesma perspetiva. Entendemos que há uma vontade do Presidente em ensaiar o seu terceiro mandato. Ele percebe que, ensaiando o terceiro mandato, poderá fugir de muitas ilegalidades. Como sabe, Moçambique está a ser classificado como um país que caminha progressivamente para o fundo do poço, do ponto de vista da corrupção, criminalidade, abuso de poder e também da intolerância política.
Ou seja, para Nyusi, com esse boom de recursos naturais, é mais uma vantagem permanecer e perpetuar-se no poder. Poderão inventar uma nova forma de eleger o Presidente. O que está aqui a acontecer é que se pretende extrapolar a baliza constitucional para perpetuar algumas intenções, digamos assim. Intenções marginais, intenções inconfessáveis.
Moçambique está a braços com a guerra em Cabo Delgado, tem muitos problemas por resolver, mas não está a olhar para estas questões. Querem é mais um mandato. Nós não percebemos porquê, qual é o fundamento.