RENAMO não inicia campanha sem que acordo de paz seja lei em Moçambique
28 de agosto de 2014O líder do maior partido da oposição em Moçambique e candidato presidencial às eleições gerais de 15 de outubro, Afonso Dhlakama, não vai iniciar a sua campanha no domingo (31.08), data prevista para o início dos trabalhos no calendário do processo eleitoral. Em entrevista à DW África, Dhlakama nega estar "em parte incerta", afirmando que está apenas à espera da promulgação da lei do acordo de paz, para sair da Gorongosa e regressar à esfera pública. Para já, o líder da RENAMO quer "garantias" da parte do Governo e, sem demoras, um encontro com o Presidente Armando Guebuza - em qualquer parte do país, mesmo em Maputo - para transmitir confiança à população e aos parceiros internacionais.
DW África: Quando é que sairá do chamado “lugar incerto” onde se encontra, para o convívio com todos os moçambicanos?
Afonso Dhlakama (AD): Não estou num lugar incerto, porque tenho comunicação com os moçambicanos, de Rovuma a Maputo, tenho falado com eles. Estou no distrito da Gorongosa, à espera que os documentos que foram assinados em Maputo sejam transformados em leis pela Assembleia, promulgados pelo Presidente e publicados em Diário da República. Isto é muito importante, não só para mim, mas também para os observadores internacionais e peritos militares. Esta é uma das garantias que eu espero. Não tenho medo de ser assassinado, mas estou a dirigir um partido que diz “pai, não vale a pena, é melhor que as coisas estejam bem”. Acredito que isto acontecerá em breve. Posto isto, não vou poder iniciar a campanha eleitoral no domingo, mas poderei entrar em contacto telefónico, cumprimentar as populações em várias províncias já no dia 31 deste mês.
DW África: Acha que este acordo não será promulgado antes do início da campanha eleitoral?
AD: Penso que não, porque a campanha começa no domingo. Se existir boa vontade por parte do Governo para convocar uma sessão extraordinária da Assembleia dentro destes dias, sim, porque basta os deputados e as comissões fazerem as suas análises e aprovarem e o Presidente da República pode promulgar e mandar publicar. No entanto, como a campanha começa já no domingo, penso que não vai acontecer. Talvez aconteça na segunda ou na terça-feira.
DW África: Este acordo inspira-lhe confiança?
AD: Nós estamos a fazer um esforço para mudar tudo aquilo que inquietava os moçambicanos, que não lhes dava esperança. Estamos a tentar construir uma República sólida, estável, para os moçambicanos e para os parceiros internacionais. Quando exigimos que os documentos entrem na Assembleia da República e sejam promulgados, queremos que eles sejam leis e ofereçam garantias a moçambicanos e estrangeiros. África está assolada de guerra por falta de entendimento e democracia. Eu, em nome do povo e do meu partido, quero que Moçambique venha a ser um país exemplar. Esta é a minha ambição.
DW África: Fora a questão legal, o nível de confiança entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO ainda é muito baixo. Porquê?
AD: Por causa da história. Fizemos a Guerra dos 16 anos. Tudo isto que estamos a tentar remendar é algo que foi assinado em uutubro de 1992 em Roma. Mas faltou o cumprimento dos protocolos por parte do Executivo: o exército único e apartidário, eleições livres e transparentes, direitos humanos. Um ano depois, a FRELIMO esqueceu tudo. Não posso esconder: tenho prudência, agora, porque são os mesmos que assinaram o acordo de Roma. Mesmo a população e os estrangeiros observam com uma certa calma. Lembramo-nos da experiência amarga.
DW África: Agrada-lhe a ideia de um encontro simbólico com o Presidente Armando Guebuza?
AD: Penso que este encontro é muito importante, em qualquer parte. Sei que Maputo é onde está o corpo diplomático, é a cidade da imprensa nacional e internacional, é a capital. Por isso, muita gente pensa que o encontro deve ser lá. Não é porque Guebuza mora lá, nem eu estou a ser convidado para a casa do Presidente. Nem eu o posso puxar para a minha casa. No âmbito do impacto, penso que faz sentido ser em Maputo. Mas o vai e vem nas questões da segurança, esta demora, é o próprio Governo que está a atrasar tudo isto. Se o acordo tivesse sido promulgado no dia seguinte, talvez já tivéssemos tido esse encontro. Só exijo garantias de segurança, não quero complicar a situação. Este encontro não é para negociar. É para nos olharmos nos olhos, engolirmos o rancor, esquecermos o passado e transmitirmos confiança à população e aos investidores. Ninguém sabe o que vai acontecer a 15 de Outubro, a RENAMO até pode vencer as eleições e é preciso que Armando Guebuza saiba que não vai ser perseguido. Eu posso vir a ser o Presidente da República e tenho de dizer que vamos governar com reconciliação e justiça. Gostaria que o encontro acontecesse antes mesmo do início da campanha.
DW África: Analistas consideram que, ao convidá-lo para o diálogo, o Presidente e o seu partido estão a tentar projectar-se numa altura de eleições e que a sua recusa em deixar o local onde se encontra também é uma estratégia semelhante, de não deixar todo o protagonismo todo nas mãos de Armando Guebuza. Concorda com esta análise?
AD: Não concordo. As pessoas têm que entender: houve uma guerra. Embora não se queira dramatizar, morreram milhares de tropas governamentais e agentes da polícia de intervenção rápida. Também registámos alguns mortos e feridos e isto deixou o povo assustado. Isto não pode ser levado como uma brincadeira, como algo emocional. É preciso entender que se trata de uma situação de segurança. A minha única estratégia é sair de onde estou de forma segura, com a convicção de que não vou cair numa emboscada e de que a FRELIMO promulgou os documentos. Eu ia ser morto a 21 de Outubro: Armando Guebuza mandou um contingente bombardear para me matar e, se não morri, foi porque não apanhei um tiro. Não me vou esquecer disso só porque há campanha, diplomatas e analistas.
DW África: Recentemente, a imprensa noticiou que Afonso Dhlakama estaria doente. Como está agora de saúde?
AD: Nunca estive doente (risos). Esta é que é a propaganda da FRELIMO, sempre a noticiar que eu estava em Lisboa, na África do Sul, no Quénia, que me escondi depois do ataque porque andava de cadeira de rodas. E eu não sei porque é que fazem esta propaganda. Talvez porque sou importante.
DW África: Em Moçambique, a sociedade civil queixa-se de não ter sido incluída na discussão que culminou com o acordo para o fim das hostilidades e, por isso, receia que o acordo venha a ser mal sucedido. Como é que vê esta reclamação?
AD: Respeito muito a sociedade civil, conheço a sociedade de Moçambique, que tem vindo a crescer nos últimos anos. O problema era entre o Governo e a RENAMO, mas quero crer que a sociedade civil esteve representada, através de mediadores e intelectuais. Alguns são bispos, outros académicos e doutores. Acho que estes intelectuais são todos independentes e fazem parte de organizações da sociedade civil. Não se trata de 50 ou 60 pessoas que tinham que estar no Centro de Conferências Joaquim Chissano. Quero acreditar que a sociedade civil foi incluída através destas pessoas.