"Uma réstia de esperança" para a paz na Etiópia
29 de dezembro de 2021A Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF) garantiu recentemente numa carta enviada ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que a retirada das suas tropas das regiões de Afar e de Amhara visava preparar caminhos para a cessação das hostilidades e abrir espaço para as conversações de paz.
No entanto, o governo do primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, minimizou o anúncio da retirada, que considera um truque da TPLF para encobrir a derrota esmagadora por parte do exército nacional.
O governo etíope afirmou, numa declaração divulgada na rede social Twitter, que as suas forças não farão mais avanços na região de Tigray. Mas advertiu que a decisão poderá ser anulada se "a soberania territorial" for ameaçada.
O analista Murithi Mutiga, do International Crisis Group, classifica a retirada da TPLF como "uma réstia de esperança" para o eventual fim da guerra civil, que assola a Etiópia há mais de 13 meses.
Caminho difícil para a paz
Mas os obstáculos para uma paz definitiva são ainda muitos, lembra Mutiga, devido à profunda desconfiança entre as partes em conflito.
O analista entende ainda que qualquer negociação da paz exige muitas cautelas por parte das autoridades etíopes para não provocar atritos com os aliados mais próximos, os Amhara, o segundo maior grupo étnico da Etiópia.
A região de Tigray e a região de Amhara, que faz fronteira com Tigray a sul, estão envolvidas há décadas numa disputa por terra.
Para cada um destes aliados, qualquer tentativa de negociação com o TPLF pode ser considerada uma traição.
O papel da Eritreia
O mesmo se aplica à Eritreia, que tem sido uma forte apoiante do primeiro-ministro desde o início do conflito, em novembro de 2020, mesmo que ambas as partes tenham inicialmente tentado esconder o envolvimento das tropas eritreias no conflito.
Abiy recebeu o Prémio Nobel da Paz de 2019 por ter feito as pazes com a Eritreia, o inimigo de longa data do seu país.
Tal como Abiy, o Presidente da Eritreia Isaias Afwerki encara a TPLF como uma ameaça ao seu domínio do poder. Também vê Tigray como um refúgio para os dissidentes refugiados da Eritreia.
A questão da Eritreia é das mais difíceis, explica à DW o analista Murithi Mutiga. "A Eritreia preferiria ver os líderes militares do Tigray derrotados a todo custo. Por isso, o Governo etíope tem de ser cauteloso para evitar a desintegração do Estado", alerta.
Apelos à pressão internacional
Neste momento, multiplicam-se os apelos para o aumento da pressão internacional sobre as partes envolvidas no conflito para um cessar-fogo e garantir as negociações de paz no país.
Mas há quem olhe para o conflito como um assunto interno, como a China e Rússia, dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Os aliados estrangeiros da Etiópia, como o Irão, a Turquia e a Arábia Saudita, forneceram recentemente drones e outro equipamento militar para as forças governamentais, que contribuíram largamente para as recentes derrotas do TPLF.
Assim sendo, Murithi Mutiga acredita que o fim do conflito em Tigray não é prioritário para estas potências. "A Etiópia é um país altamente estratégico. Está envolvido não só no Corno de África, mas também na política sobre o Mar Vermelho, das águas do rio Nilo. É também o segundo país mais populoso de África e um dos países que tem um grande potencial económico", explica o analista.
Economia estagnada
Depois de mais de um ano de guerra, a economia da Etiópia atravessa grandes dificuldades. Em outubro, a inflação homóloga situou-se nos 34% e os preços dos alimentos atingiram um pico de 41% no mesmo mês.
Dados das Nações Unidas apontam que 22 milhões de etíopes necessitarão de assistência humanitária em 2022.
O conflito em Tigray já provocou morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.