DW África: A nova onda de violência resulta de uma nova estratégia de atuação mais agressiva dos insurgentes ou é o aproveitamento de um vazio de segurança em Cabo Delgado?
Fernando Cardoso (FC): Há um conjunto de fatores que estão a acontecer neste momento, e um deles que não se está a falar, que é o que está a acontecer na República Democrática do Congo (RDC), que é uma ofensiva das forças insurgentes do M23, apoiadas pelo Ruanda, que estão a fazer fugir os seus oponentes, que não são unicamente as forças governamentais congolesas, mas também são em grande medida jihadistas que vão para o sul da Tanzânia e entram no norte [de Moçambique]. Isto já aconteceu em 2019 quando os insurgentes tomaram Mocímboa da Praia. Isso é explicado, do meu ponto de vista, pura e simplesmente, por um reforço de armamento e homens provenientes do que está a acontecer no nordeste da RDC.
DW África: Moçambique está em ano de eleições gerais. Os projetos de grande envergadura, normalmente, são congelados até que um novo Governo tome posse. Em que medida este "banho-maria" influencia a situação em Cabo Delgado?
FC: A TotalEnergies é uma empresa de bandeira francesa, mas é uma empresa 100% privada, ou seja, a Total rege-se não segundo os preceitos do Governo francês, embora se apoie na França quando necessita, mas sim em função dos seus próprios preceitos mercantis. Em segundo lugar, a razão pela qual a Total parou as suas operações no nordeste de Cabo Delgado não teve nada a ver com a insurgência, nada. Isto é uma explicação falsa. A razão pela qual a Total parou tem a ver com razões de mercado, tem a ver com o facto de existir uma oferta suficiente de petróleo e gás internacionalmente. A mesma coisa aconteceu com a ExxonMobil, que ainda nem começou e que tem a maior fatia das concessões. Nos últimos quatro anos, a ExxonMobil encerrou 70 filiais em todo o mundo. Além da razão económica, é preciso olharmos para a história das grandes petrolíferas, todas elas são exemplo disso, estão experimentadíssimas em atuar em zonas onde existem guerras.
E não tenho a mínima dúvida que uma parte do financiamento que o Ruanda recebe não é da França, porque a França não tem orçamento para isso. A Total é que está interessada que as forças ruandesas assegurem, de certa maneira, o perímetro, em vez de contratar um empresa de mercenários para o fazer.
DW África: Um investigador moçambicano ouvido pela DW África não descarta a possibilidade de atentados contra aglomerados de pessoas, como vemos por exemplo na Nigéria. Há fragilidades extremas ao ponto de este vir a ser o próximo estágio da insurgência?
FC: Por culpa própria, sim. Não por virtude da insurgência. Vamos lembrar um ponto que me parece fundamental, que é um ponto em desfavor do tipo de atuação do Governo moçambicano: não haverá ataques em massa porque eles não são muitos, nem precisam de o ser. Estamos a verificar uma situação de duas a quatro mil pessoas armadas a avançarem relativamente as cidades. Um grupo minoritário com moral, disposto a dar a sua própria vida, com munições e com armas, faz fugir um Exército desmoralizado de duas mil pessoas. É esta a questão fundamental, é aqui que o Governo moçambicano está a falhar.