Condenação de Lula da Silva é um aviso a Angola
5 de abril de 2018O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil negou na quarta-feira (04.04) um recurso contra a prisão do ex-Presidente Lula da Silva, condenado em duas instâncias judiciais e que pretendia ficar em liberdade até à decisão final. O antigo chefe de Estado brasileiro foi condenado a 12 anos e um mês de prisão, em regime fechado e pode começar a cumprir pena, assim que a decisão do STF seguir os trâmites judiciais.
A prisão do ex-chefe de Estado está relacionada com um dos processos da "Operação Lava Jato", o maior escândalo de corrupção do Brasil. Lula foi condenado por ter recebido um apartamento de luxo como suborno da construtora OAS em troca de favorecer contratos com a petrolífera estatal Petrobras.
Mas este não é o único caso de corrupção que pesa sobre os ombros de Lula da Silva. Segundo o Ministério Público Federal, o ex-chefe de Estado brasileiro terá usado a sua influência junto do Banco de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para favorecer a construtora Odebrecht em contratos para obras em Angola. A empresa é responsável pela construção de estradas, refinarias e hidroelétricas no país.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde diz que os últimos desenvolvimentos são um sinal para Angola. O caso, sublinha, mostra que "os chefes de Estado não estão acima da lei" e "o mesmo irá certamente acontecer muito em breve" no país africano.
DW África: Lula da Silva poderá estar mais próximo da prisão, depois de o Supremo Tribunal Federal ter negado o "habeas corpus" do ex-Presidente brasileiro, esta quarta-feira. O que acha desta decisão?
Rui Verde (RV): Mais próximo da prisão está. O caso de Lula da Silva é um pouco diferente daqueles casos que temos tido em Portugal que habitualmente tratam de prisão preventiva. Neste caso, é uma questão de cumprimento de pena. Não há razão, uma vez que ele já foi condenado pelos tribunais, para não ser preso. É a justiça a funcionar. Se fosse um morador de uma favela do Rio de Janeiro que já tivesse sido condenado por dois tribunais, já estava preso, certamente. Não há razão para Lula ser diferente.
DW África: À luz destes desenvolvimentos, acha que se devia olhar com mais atenção para os negócios que Lula da Silva fez em Angola?
RV: É evidente. Esta decisão, em relação a Angola, tem dois aspectos: um simbólico e um que podemos chamar substantivo. Em termos simbólicos, demonstra que os chefes de Estado, atualmente, já não estão acima da lei. Se cometem crimes, são investigados, julgados e condenados. O mesmo irá certamente acontecer muito em breve em Angola. Neste sentido é um aviso, um sinal para Angola. Depois temos o aspecto material. É evidente que Lula da Silva tinha estabelecido muitas relações com Angola, designadamente através da Odebrecht e do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) e as ramificações que foram apanhadas no Brasil também existem em Angola. As condenações que existem no Brasil vão ter, forçosamente, espelhos em Angola. É uma questão das autoridades angolanas investigarem ou não.
DW África: Como é que está este processo da Odebrecht? Poderá haver aqui uma evolução?
RV: Devia existir. Já há dois anos que se fala em Angola destas questões da Odebrecht e ainda não vimos a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana investigar. Como agora, finalmente, começaram a investigar vários casos, é natural que também comecem a investigar a Odebrecht. E investigando a Odebrecht será como as cerejas: saem umas atrás das outras, às toneladas.
DW África: Que passo é preciso dar para que o processo realmente prossiga?
RV: O passo é formal. É a PGR abrir uma investigação aos vários negócios, à concessão de minas, negócios entre José Eduardo dos Santos e a Odebrecht, todos esses factos que têm sido divulgados pelos jornais como o Maka Angola. É abrir a investigação. Os elementos existem, a documentação existe. Com a cooperação judiciária entre a polícia federal brasileira e a polícia angolana facilmente chegarão a conclusões.
DW África: Falava do aspecto simbólico do caso de Lula da Silva para os chefes de Estado. Acha que em Angola é uma hipótese realista, um ex-Presidente ser condenado? Por exemplo, neste caso recente da transferência ilegal de 500 milhões de dólares para um banco estrangeiro, que envolve o filho de José Eduardo dos Santos, muita gente questiona o facto de o próprio ex-Presidente angolano não ser arguido...
RV: Devia ser arguido, uma vez que foi ele que mandou transferir os 500 milhões de dólares. Mais tarde ou mais cedo a questão, do ponto de vista técnico, vai-se colocar. O "mandante do crime" tem de ser arguido. Mas acredito que Angola está a ver uma evolução. Ainda não se sabe se é uma evolução semântica, isto é, se é só para preencher títulos de jornais ou se realmente vai existir algo mais substancial como existiu no Brasil. É preciso aparecer o "juiz Sérgio Moro angolano". Falta o catalisador.
DW África: E este novo panorama em Angola poderá também incluir mais pressão para investigar este tipo de situações como a influência de Lula da Silva no país?
RV: De certeza. Da forma quente como as redes sociais estão em Angola, é evidente que a pressão vai aumentar.
DW África: Há quem acuse o Brasil, digamos assim, de ter um papel importante na corrupção em Angola. Acha que se pode dizer isso, há aqui um padrão?
RV: Eu diria que há um triângulo da corrupção que envolve o Brasil, Angola e Portugal. Começando a puxar por um lado, neste caso, o Brasil, já começam a surgir algumas coisas em Portugal e forçosamente há que fechar o triângulo e chegar a Angola. Uma coisa implica a outra, não tenho qualquer dúvida. É o triângulo atlântico da corrupção.
DW África: E poderá haver aqui consequências para as relações entre Angola e o Brasil?
RV: Isso é difícil de responder. Como sabemos, no caso das investigações em Portugal que afetaram o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, alegadamente afetou as relações entre Angola e Portugal. Depende da postura que Angola queira assumir. Se Angola que definitivamente começar a investigar a corrupção no país, não tem de afetar as relações, pelo contrário. Tem de ser Angola a pedir a colaboração do país. Se Angola quer continuar apenas a fingir que investiga, então poderá afetar as relações. Mas neste momento não há muito remédio se não investigar as coisas a sério. O cerco fecha-se, quer a nível da opinião pública, quer a nível de pressão mundial, quer no Brasil e em Portugal. Angola tem de se mexer.