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Orlando Castro: "Em Angola nem tudo o que parece é"

6 de fevereiro de 2017

O jornalista Orlando Castro acredita que ainda pode haver um volte-face na lista do MPLA, o partido no poder, às eleições gerais. O analista luso-angolano também duvida que as eleições em Angola se realizem em agosto.

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José Eduardo dos Santos: Presidente de Angola há quase 38 anosFoto: Getty Images/AFP/A. Jocard

O analista Orlando Castro reagiu com ceticismo ao anúncio, na sexta-feira (03.02), de que o chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, deixará a presidência do país e que o seu nome não figura entre os 130 efetivos e 45 suplentes na lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, às eleições gerais previstas para agosto de 2017.

A lista é liderada por João Lourenço, vice-presidente e ministro da Defesa. O general na reserva e ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, é o número dois e concorre, por isso, ao cargo de vice-presidente. O secretário-geral do MPLA, António Paulo Kassoma, é o número três. O atual vice-presidente da República, Manuel Domingos Vicente, desce para 24.º lugar.

O jornalista luso-angolano afirma que ainda pode haver um volte-face em Angola. Em entrevista à DW África, Orlando Castro diz ainda que inclusão de Vicente Pinto de Andrade na lista do MPLA é uma "jogada de credibilidade".

DW África: Pela primeira vez, e depois de quase 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos não será o cabeça de lista do MPLA às proximas eleições. É um anúncio que "peca por tardio"?

Orlando Castro (OC): Mais do que pecar por tardio, eu ainda não dou como certo que ele não seja o cabeça de lista, tal como não dou como certo que as eleições se realizem em agosto. Talvez seja ceticismo a mais, mas estamos habituados ao longo de 41 anos de governação do MPLA e 38 de José Eduardo dos Santos que em Angola nem tudo o que parece é. Portanto, estou a ainda à espera de ver para crer se, de facto, isto vai ser assim.

DW África: Acha que ainda pode haver alguma "carta surpresa" na manga? Por exemplo, a Convergência Ampla de Salvação em Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE, oposição) diz que se trata apenas de uma "operação de cosmética" e que o MPLA é o mesmo de sempre...

Interview mit dem Blogger Orlando Castro
Orlando Castro: "É exatamente o mesmo MPLA"Foto: DW

OC: E é. Com esta configuração, com João Lourenço como número um, Bornito de Sousa como número dois e Paulo Kassoma em terceiro é exatamente o mesmo MPLA. A jogada que antevejo que ainda pode acontecer terá a ver eventualmente com a noção que o MPLA tenha de que sem Eduardo dos Santos como número um correrá mais riscos de perder as eleições. Portanto, não me admiraria nada que houvesse aqui um volte-face aqui nessa matéria.

DW África: O estado de saúde de José Eduardo dos Santos e uma conjuntura internacional pouco favorável - veja-se o exemplo da Gâmbia - terão sido decisivos para José Eduardo dos Santos sair por sua própria iniciativa?

OC: Sim, creio que isso foi fundamental para a decisão dele, caso se concretize essa decisão. O estado de saúde dele, de facto, é de alguma gravidade (segundo as informações que temos é de muita gravidade), a conjuntura internacional, mesmo a mais perto de Angola é complicada e ele terá pensado em sair enquanto era tempo. Mas é como lhe digo, ver para crer.

DW África: De qualquer forma, há membros da família no MPLA, e ao contrário do que se esperava não são os filhos mais velhos, mas a primeira-dama Ana Paula dos Santos (que concorre em 17.º lugar) e a filha do Presidente Tchizé dos Santos (80.º lugar). Os interesses da família dos Santos continuam, portanto, assegurados?

OC: Os interesses continuam porque durante muitos anos dizia-se que o MPLA era Angola e que Angola era o MPLA. Agora o MPLA é sobretudo a Sonangol. E estando a empresa nas mãos de Isabel dos Santos, obviamente José Eduardo dos Santos, sendo ou não o número um, sendo ou não Presidente, tem a economia na mão, tem a máquina motora na mão. E tendo isso na mão, vai ser ele, direta ou indiretamente, a controlar todo o futuro do país, como aliás aconteceu ao longo destes anos todos.

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DW África: Ficou admirado com o nome de Ana Paula dos Santos na lista?

OC: Não fiquei admirado. Aliás, a lista - que duvido que vá ser esta - acho-a perfeitamente normal, embora Manuel Vicente esteja cá muito para baixo...

DW África: Isto poder sido um puxão de orelhas a Manuel Vicente?

OC: Isto pode ter sido um puxão de orelhas, mas tenho imensa dificuldade em entender as coisas tal como elas nos parecem que são. Porque estamos habituados em que qualquer jogada que José Eduardo dos Santos faz não dá ponto sem nó.

É um político muito inteligente, está muito bem rodeado por conselheiros, inclusivamente portugueses, portanto, ele sabe muito bem o que está a fazer e pode, tal como há uns anos fez com João Lourenço, estar a puxar as orelhas a Manuel Vicente ou Manuel Vicente ter-se prestado a este papel, porque depois haverá mais alguma coisa. Isto não é, e cada vez mais me convenço disso, nada do que parece ser.

DW África: Outra surpresa foi a integração na lista de Vicente Pinto de Andrade, uma das vozes mais críticas da governação do partido e do José Eduardo dos Santos. O que é que se pode esperar?

OC: Calculo que seja uma jogada de credibilidade, uma tentativa de dar uma imagem mais credível e de maior substância às propostas do MPLA, mas não me parece que seja muito mais do isso. São políticos que, de facto, têm credibilidade e pujança política a nível interno e também internacional e, portanto, como operação de marketing funcionou.