"Se não fosse brasileiro, Salgado seria fotógrafo africano"
15 de janeiro de 2015O brasileiro Sebastião Salgado, cuja carreira é resgatada no filme "O Sal da Terra", guarda uma forte ligação com a África, para onde viajou repetidas vezes antes e depois de se tornar fotógrafo. Foi no continente, ao registrar a crise da fome na Etiópia, que ele encontrou uma razão para suas fotografias, segundo o filho e um dos diretores do filme, Juliano Salgado. O documentário também retrata o genocídio no Ruanda em 1994. A produção é codirigida pelo alemão Wim Wenders e foi premiada no Festival de Cannes deste ano (2014).
À DW-África, Juliano revelou as origens e a extensão dessa relação. "Se não fosse brasileiro, ele certamente seria um fotógrafo africano", afirmou.
Primeiros contatos
Os contatos iniciais de Salgado com a África começaram ainda no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, logo após ter se graduado em economia em Paris. Ainda como economista, conheceu o Marrocos e o Ruanda pela Organização Internacional do Café.
Mais tarde, ao se tornar fotógrafo, Salgado seguiu viajando para a África, incluindo passagens por Angola e Moçambique. "O lugar de onde a gente vem no Brasil é muito afastado dos centros. E também muito perigoso e muito violento", comenta Juliano. "Então, quando o Tião (Sebastião Salgado) ia para essas zonas de guerra, que muitas vezes não tinham sido desenvolvidas industrialmente, ele estava um pouquinho em casa. Foi assim, naturalmente, que ele se adaptou".
Injustiça como razão para fotografar
Entre 1984 e 1986, Salgado acompanhou a crise da fome na Etiópia e teve a oportunidade de revelar a tragédia a outras partes do mundo. "O que estava a acontecer era tão injusto, e estava sendo muito pouco divulgado, que as fotografias dele encontraram um espaço muito grande e serviram para que os europeus e os franceses tomassem consciência do que acontecia na Etiópia", acrescenta o diretor.
"Mas o realmente importante era a responsabilidade que ele tinha com as pessoas que ele estava a fotografar", destaca. "Muitas vezes, ele era a única pessoa que podia contar a história de alguém sofrendo muita injustiça. Foi essa a razão que ele encontrou, enquanto fotógrafo social: divulgar, dar existência a pessoas que eram totalmente esquecidas".
Genocídio no Ruanda
Outro momento marcante, e retratado em "O Sal da Terra", foi o genocídio no Ruanda em 1994. Juliano lembra que, três anos antes, o pai o levou ao país. E já nesta época eles passaram a sentir as tensões do que viria a ocorrer. "A mulher de um grande amigo dele tinha sido presa e estava sendo torturada. E mais tarde, quando o Sebastião voltou para o Ruanda durante o genocídio, ele procurou saber o que tinha acontecido com os amigos. Foi uma coisa horrível".
Questionado se a divulgação proporcionada pelas fotografias do pai teve o efeito esperado de sensibilizar para o que acontecia em África, Juliano avalia que, embora seja difícil de saber a que ponto elas influenciam a maneira das pessoas de ver o mundo, elas têm um peso. "Muitas vezes as fotografias são uma maneira de formar uma consciência sobre o que está acontecendo. E o jeito que o Tião fez as fotografias sempre foi muito humano, com muita empatia. Então eu acho que elas procederam para que as pessoas tivessem uma ligação com aquelas que estavam vivendo momentos complicados da nossa história", conclui.