Sem “interferências externas” FNLA reaparecerá “regenerada”
20 de março de 2017Conhecido como o partido "dos irmãos”, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) fundada em 1961 pelo histórico líder angolano Holden Roberto, está há anos a viver mergulhada numa crise interna, tendo já nas eleições gerais de 2012, garantido pouco mais de 1% dos votos. No ano de novas eleições gerais angolanas, várias vozes questionam como é possível que um dos movimentos históricos independentistas esteja tão marginalizado e dividido.
A DW África entrevistou o analista político angolano Nelson Pestana:
DW África: Como é possível que um partido como a FNLA, um dos três movimentos independentistas históricos de Angola, esteja marginalizado e dividido?
Nelson Pestana (NP): Há uma longa história em relação à crise que a FNLA vive neste momento. Essa crise foi muito impulsionada a partir de fora, tem a ver com alguns desencontros da direção da FNLA a partir de 1992 e com uma tentativa de afirmação da sua autonomia em relação ao poder instalado. É muito claro, perante o desentendimento entre Holden Roberto e José Eduardo dos Santos, que este último passou a perseguir, não só a FNLA e a procurar domesticá-la ou eliminá-la do contexto político angolano, mas também o próprio líder histórico do FNLA, Holden Roberto.A FNLA foi sobrevivendo opondo à facção interna, que decidiu passar-se com armas e bagagens para o outro lado da barricada, mas chegou a um ponto em que as lideranças legitimadas pelo voto e pela massa militante foram afastadas. E esta liderança imposta agora está a ter muitas dificuldades em compor, porque não há tanto dinheiro como havia anteriormente para comprar consciências e aliados políticos, e por isso, a FNLA, aparentemente, está num processo de extinção, de desaparecimento, de crise total, mas eu sei que há um movimento de baixo que agora tem respaldo nesta direção provisória que está em curso e que visa restaurar a confiança dos militantes e trazer de novo o brilho à FNLA.
DW África: Portanto, poder-se-á falar de uma falta de sensibilidade no seio da própria FNLA?
NP: Sem dúvida nenhuma que a liderança que se instalou não tem sensibilidade para a vida e a pujança e o património histórico que a FNLA representa. Tem como objetivo apenas a sua própria liderança e nisso a FNLA, efetivamente, tem grandes dificuldades de afirmação da sua identidade. Como lhe disse, há um processo de restauração, houve um processo de resistência no interior da própria FNLA oficial, houve sempre uma FNLA paralela que não capitulou, e creio que este processo vai dar, provavelmente, a restauração e até o retomar das lideranças que algumas pessoas pensam que já estão definitivamente arrumadas.
DW África: Mas não se trata de um conflito entre gerações ou algo político mais profundo, por exemplo, os que participaram na luta armada e os que fazem hoje a luta política?
NP: Não, porque as lideranças em disputa hoje são as lideranças que fizeram a luta armada ou, pelo menos, as lideranças que assumiram a FNLA depois de ela se tornar um partido político e deixar de ter exército, e isso já aconteceu nos anos 80. O problema não se põe em termos de liderança ou mesmo de sucessão de gerações porque essa sucessão, provavelmente, só não está a ser feita agora porque foi interrompida através da imposição externa de lideranças que não têm respaldo na legitimidade militante, e as lideranças que têm respaldo na legitimidade militante estão a tentar agora ressurgir e vão ter que elas próprias fazer essa passagem de testemunho a novas gerações, a novas lideranças mais jovens no interior da FNLA, mas com dignidade e na defesa da identidade própria da FNLA.
O próximo Congresso que está anunciado, como eles dizem, é um congresso inclusivo, o que quer dizer que Ngola Kabango também participa e por isso pode haver efetivamente a ressurgência dessa liderança que tinha a legitimidade militante sufragada num Congresso que depois não foi considerado pelo Tribunal Constitucional dando a presidência administrativamente a Lucas Ngonda que nunca teve legitimidade militante nem nunca se conseguiu afirmar como um líder que apazigua todas as tendências e que se afirma como líder e não como chefe imposto por outro chefe superior.
DW África: Será que todo esse mal-estar no seio da FNLA poderá penalizar o partido num ano eleitoral?
NP: Sem dúvida nenhuma que penaliza. Atrasa nos processos políticos, cria desencontros, provavelmente, desmobilização, mas a FNLA é um partido histórico, tem um eleitorado histórico que, independentemente de tudo o que se possa passar, vai sempre votar na FNLA. São estas coisas da tradição, do respeito à tradição, o facto da FNLA ter uma inserção, digamos um feudo eleitoral no norte. Isso não se perde de um dia para o outro e não será perdido se, efetivamente se conseguir fazer essa restauração que se está a tentar fazer. Neste momento, não há grandes aquisições em termos de novas lideranças. As pessoas que aparecem para protagonizar a liderança provisória são pessoas que sempre estiveram na FNLA e o que eu vejo é que muitas delas sempre estiveram junto da direção histórica, com Holden Roberto e depois com Ngola Kabango.
DW África: No seu entender, a situação não irá então transformar-se muito? A FNLA continua a recuperar a sua imagem junto dos angolanos?
NP: Se ela conseguir fazer um Congresso sem interferências externas, quer dizer, do regime, seguramente que esse processo será regenerador e vai permitir à FNLA reaparecer regenerada e com lideranças com legitimidade militante que era o que faltava a esta liderança de Lucas Ngonda.