Senegal: "Boa reputação democrática" afetada por protestos
10 de junho de 2023Após a eclosão de recentes e violentos protestos no Senegal, alguns analistas alertaram que a economia desse país pode vir a ter dificuldades.
Os dias de violência custaram ao país "milhares de milhões de francos CFA e ameaçam os objetivos de crescimento para este ano", disse à agência de notícia francesa AFP o economista consultor Mansour Sambe.
Entretanto, o jornalista e comentador Adolphus Mawolo disse à DW que apesar de os confrontos mortais transmitirem uma imagem muito negativa do país, eles "não serão o ponto de viragem económica".
Isso porque ele considera que "o governo vai ter controlo total sobre a situação", afirma. "Não vejo nenhuma figura da oposição, ou alguém da sociedade civil, que possa realmente levar as pessoas de volta às ruas", disse Mawolo.
"Uma reputação de estabilidade"
Há muito que o Senegal se beneficia da sua reputação de estabilidade numa região abalada por golpes de Estado. Num país com uma escassa rede de segurança social, muitos senegaleses vivem na precariedade e observam com receio os recentes protestos.
Ousmane Sonko, líder da oposição senegalesa candidato à presidência em 2024, foi condenado no dia 1 de junho a dois anos de prisão sob a acusação de "aliciamento de jovens". Foi, no entanto, absolvido das acusações de violação.
Após a sua condenação, pessoas saíram às ruas em protestos. Pelo menos 16 pessoas morreram e centenas ficaram feridas quando manifestantes e apoiantes de Sonko entraram em confronto com as forças de segurança após a sentença do tribunal. A agitação foi a pior a afetar o país da África Ocidental - em décadas.
Durante os protestos, foram saqueadas e destruídas estruturas de empresas privadas e públicas, incluindo edifícios de universidades, estações de serviço, bancos, supermercados, edifícios administrativos e paragens de autocarro.
Dias sem trabalho
Magaye Gaye, um vendedor de artigos de higiene pessoal de 19 anos no mercado de Sandaga, em Dakar, disse que fechou a sua banca na véspera do resultado do julgamento e que os vários dias sem negócio o deixaram "quase sem nada".
"Gastei todas as minhas poupanças só para sobreviver", disse à AFP. Numa situação semelhante encontrava-se o vendedor de roupas Modou Gueye. "Os clientes afastaram-se porque tinham medo e isso aconteceu de um dia para o outro. Se tivermos trabalho, comemos; se não tivermos, passamos fome".
"São tempos difíceis [...] passar dias sem trabalhar é um verdadeiro problema porque o nosso negócio está parado, a circulação de pessoas é complicada e já não podemos ganhar um rendimento diário", disse.
"Esperamos realmente que as manifestações parem para que as actividades sejam retomadas. Quero muito que as coisas voltem ao normal para podermos satisfazer as nossas necessidades", declarou Abdoulaye Tine, um motorista de táxi.
Macky Sall a reprimir a oposição?
Os apoiantes de Sonko dizem que um sistema judicial manipulado está a perseguir o seu líder, uma acusação que o Presidente Macky Sall nega. Mas Sall tem alimentado a incerteza, recusando-se a declarar claramente se vai candidatar-se a um terceiro mandato presidencial.
Os críticos afirmam que isso violaria a Constituição do país. De todas as crises que o Senegal moderno enfrentou, esta "é a mais fácil de resolver", afirmaram três reputados analistas numa carta aberta, na segunda-feira.
"Bastaria que fosse dito: 'não vou candidatar-me a um terceiro mandato, porque isso seria uma desonra à minha palavra, ao meu país e sua Constituição'".
A carta foi redigida pelos premiados escritores Mohamed Mbougar Sarr e Boubacar Boris Diop, e por Felwine Sarr, que co-escreveu um relatório de referência sobre a restituição de artefatos culturais africanos.
Segundo Guillaume Soto-Mayor, investigador do Instituto do Médio Oriente, o anúncio de Macky Sall a um terceiro mandato pode desencadear uma revolta popular maciça e uma violência nunca vista no Senegal.
Outros especialistas senegaleses alertam para o fato de que, se a violência continuar, poderá não só desestabilizar o país, como também abrir caminho à violência jihadista, que já assolou grande parte da região - incluindo os vizinhos Mali e Burkina Faso.
Apelo à calma
"Entendemos que o Presidente Macky Sall tinha-se reunido com poderosos líderes religiosos do país para tentar apaziguar a situação e, por isso, não parece provável que o país caia no caos", disse Mawolo.
Maurice Soudieck Dione, professor associado da Universidade Gaston Berger de Saint Louis, em Dakar, disse à DW que "as autoridades e religiosos sempre desempenharam um papel de mediação durante as crises no Senegal, embora a sua influência tenha diminuído um pouco".
Enquanto muitos senegaleses querem que a agitação termine, outros dizem que vão continuar a protestar até que seja feita justiça para Sonko.
"Não aceitamos", disse Malang Coly, apoiante de Sonko. "Vamos lutar mesmo que o governo tenha prendido muitos dos nossos camaradas. Continuaremos a denunciar e se surgir a oportunidade, vamos protestar".
Sonko, que se tornou o rosto de uma frustração crescente contra o Presidente Macky Sall, está a recorrer do resultado de um outro processo por difamação que poderá prejudicar as suas intenções políticas.