Estará Macky Sall a pôr a democracia do Senegal em risco?
7 de fevereiro de 2024A decisão do Presidente Macky Sall de adiar as eleições presidenciais de 25 de fevereiro no Senegal deu origem a protestos e pôs a nu o estado da democracia do país.
Na segunda-feira (05.02), os deputados votaram a favor do adiamento das eleições anunciado pelo Presidente cessante.
Afastando-se de uma proposta de lei anterior, que fixava o dia 15 de agosto como a data das eleições adiadas, os legisladores votaram a favor da realização da votação a 15 de dezembro, causando ainda mais indignação pública.
Sall afirmou que o escrutínio tinha de ser adiado para evitar potenciais disputas eleitorais que pudessem eclodir posteriormente. A sua decisão, no entanto, mergulhou o Senegal num caos constitucional sem precedentes.
Legalidade questionada
"Este adiamento a nível constitucional não é legal", diz DW Moussa Diaw, cientista político da Universidade Gaston Berger, em Saint-Louis, no Senegal, em entrevista à DW. "A Constituição senegalesa prevê situações de maior gravidade, ou seja, uma crise institucional, um bloqueio das instituições ou ameaças à segurança", explica Diaw.
Quando Macky Sall se dirigiu à nação, no fim de semana, defendeu o adiamento, afirmando que a sua decisão segue a decisão do Conselho Constitucional, em janeiro, de excluir alguns candidatos proeminentes da lista eleitoral.
O chefe de Estado de 62 anos disse que a decisão do conselho poderia gerar descontentamento em relação ao processo eleitoral: "Estas condições problemáticas podem minar seriamente a credibilidade do escrutínio, lançando as sementes de disputas pré e pós-eleitorais".
Mas Diaw não concorda com a decisão do Presidente de adiar a votação. "Não há crise, não há bloqueio, as instituições estão a funcionar muito bem", sublinha, acrescentando que o Conselho Constitucional não teve problemas. "As outras instituições estão a funcionar normalmente".
Um golpe constitucional?
Alguns dos críticos do Presidente senegalês descreveram o adiamento das eleições como um golpe constitucional. O caos que precedeu a aprovação da votação no Parlamento confirma os potenciais danos que a decisão poderá causar à sua reputação.
"O que estão a fazer não é democrático, não é republicano", gritou Guy Marius Sagna, um dos vários deputados da oposição que se manifestaram contra o adiamento das eleições, durante o debate de segunda-feira no Parlamento.
Paulin Maurice Toupane, investigador principal no escritório regional da África Ocidental do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), diz à DW que a oposição deverá contestar a medida, remetendo o assunto para o Conselho Constitucional.
"O que aconteceu na Assembleia Nacional está em perfeita contradição com a Constituição. A oposição decidiu remeter o assunto para o Conselho Constitucional se esta lei for adotada", explica.
Entretanto, vários líderes da oposição senegalesa apelaram à "desobediência civil" em reação à medida. "A população senegalesa deve resistir e manter uma posição de desobediência civil contra [as intenções] de um terceiro mandato do Presidente Macky Sall, o que é proibido pela Constituição", disse à agência EFE o deputado Guy Marius Sagna, que na segunda-feira interrompeu as votações da Assembleia Nacional até ser expulso pela polícia.
Uma questão para o Conselho Constitucional
Pelo menos três dos 20 candidatos presidenciais, incluindo Malick Gackou, apresentaram um recurso contra o adiamento junto do Conselho Constitucional.
De acordo com Toupane, a tensão política mergulhou o Senegal "num período de incerteza total".
"O Senegal entrou num período de crise, cujos meandros ninguém conhece", afirma.
Ao contrário de outros exércitos regionais, o exército senegalês tem-se abstido de intervir na política. "Esperamos que o exército continue a manter esta postura", acrescenta Toupane.
O Presidente Macky Sall reiterou que não vai candidatar-se à reeleição este ano, para alívio de muitos após o referendo de 2016, uma tentativa de lhe dar a oportunidade de se candidatar novamente.
Estará Sall a agarrar-se ao poder?
No entanto, a sociedade civil senegalesa rejeitou com veemência a última medida de Sall, alertando que o Presidente pode estar a tentar adiar a sua saída.
"O adiamento das eleições de 25 de fevereiro é uma tentativa clara do Presidente Sall de se agarrar ao poder para além do seu limite constitucional", afirmou Hardi Yakubu, coordenador do grupo de ativismo pan-africano Africans Rising, num comunicado. "Por outras palavras, com esta última manobra, ele está a tentar alcançar o mesmo resultado que as manipulações anteriores pretendiam alcançar."
De acordo com Yakubu, as "ações de Sall criaram uma crise política que ameaça a estabilidade e a paz no Senegal e na região".
Esta é a primeira vez, desde a independência do Senegal em 1960, que uma eleição presidencial é adiada.
A reputação do Senegal como uma democracia estável também deriva do facto de - ao contrário de outros países francófonos da África Ocidental - nunca ter sofrido um golpe militar. Em vez disso, o país assistiu a três transferências pacíficas de poder.
Sondagem mostra insatisfação
De acordo com o Afrobarómetro, uma rede pan-africana e apartidária de sondagens, há uma insatisfação crescente com o funcionamento da democracia senegalesa.
"Os inquéritos do Afrobarómetro mostraram que a maioria dos senegaleses aprova as eleições como a melhor forma de escolher os seus líderes", afirmou o organismo num comunicado sobre a sondagem adiada.
Entre os 39 países inquiridos em 2021 e 2023, o Senegal registou a terceira maior proporção de cidadãos que preferem a democracia a qualquer outro sistema político.
"Mas menos de metade dos senegaleses dizem estar satisfeitos com a forma como a democracia funciona no país, um declínio significativo em comparação com 2014. E uma maioria pensa que o país é menos democrático do que era há cinco anos", afirma o Afrobarómetro.
Reação internacional "não é suficiente"
A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) emitiu na terça-feira (06.02) uma declaração em que "incentiva" o Senegal a restabelecer urgentemente as eleições presidenciais inicialmente previstas para 25 de fevereiro e adiadas para 15 de dezembro.
Antes, a União Africana (UA) tinha apoiado o bloco regional da África Ocidental na sua preocupação com o adiamento das eleições e apelado a uma nova data o mais rapidamente possível, uma posição que a União Europeia (UE) e os EUA também defendem.
No entanto, Yakubu considera que a posição destes organismos continentais e regionais é fraca e ineficaz. "Em vez de pressionar Sall a voltar atrás com a sua decisão, pede-lhe que marque uma nova data, o que efetivamente apoia a sua decisão".
"A declaração não fará nada para dissuadir outros presidentes de trilharem este caminho perigoso", adverte o ativista. "Sem qualquer iniciativa séria para impedir golpes de Estado civis contra as constituições, que direito moral haverá para condenar os golpes militares na região?"
O mandato de Macky Sall termina oficialmente a 2 de abril, mas com os deputados a aprovarem um projeto de lei para prolongar a sua permanência no cargo até à realização de eleições em dezembro, não é certo o desenrolar dos acontecimentos até lá.