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Ser idoso em Moçambique é um pesadelo

4 de maio de 2017

Rejeitados pela própria família, alguns idosos são obrigados a viver nas ruas ou em centros de acolhimento. Uma situação que tem vindo a piorar. Só em 2016 a polícia registou centenas de casos de abandono de idosos.

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Foto: DW/L.da Conceicao

O Parlamento moçambicano aprovou em 2014 a primeira lei que regula a promoção e proteção dos direitos da terceira idade. Um instrumento que responsabiliza criminalmente a família, a comunidade e o Estado pela violação desses direitos. No entanto, muitos idosos ainda continuam a ser maltratados pela própria família.

É o caso de Nina Assumany, de 68 anos. Para sobreviver, a idosa vende frutas nas ruas da cidade de Maxixe, na província de Inhambane. Há cinco anos, foi forçada a sair de casa, no distrito de Morrumbene.

Nina Assumany – Senioren in Mosambik
Nina Assumany ganha a vida a vender frutaFoto: DW/L.da Conceicao

Era vítima de maus-tratos da nora, que a acusava de feitiçaria. "O meu filho e ela fugiram de mim e eu estava doente", conta.

Hoje, a vendedora passa as noites em casa de uma família que a acolheu. A idosa não recebe nenhum apoio - nem do filho nem do Governo.

Conta que o filho nunca fez nada para a proteger da violência da nora. Ainda assim, diz que não guarda nenhum rancor.

Acusações de feitiçaria

Nina Assumany lembra que o seu caso não é único. Uma vizinha sua foi acusada de feitiçaria pelos enteados. Foi maltratada e levada para longe do bairro, para um local sem família e sem apoios.

A acusação da prática de feitiçaria por idosos é cada vez mais frequente no país. E os principais protagonistas da discriminação de pessoas mais velhas são os próprios familiares, explica Rute Samuel, presidente da Associação Gupuanana, vocacionada para a defesa e proteção dos idosos, que trabalha há quatro anos em Inhambane, onde tem divulgado a lei aprovada em 2014.

"São principalmente os familiares que desprezam os mais velhos, dizem que são feiticeiros", relata Rute Samuel . Não é bom fazer descriminar os idosos porque são os nossos pilares e têm conhecimento das nossas tradições", sublinha.

Senioren in Mosambik
Muitos idosos não recebem apoios do EstadoFoto: DW/L.da Conceicao

António Madureira, de 71 anos, vive na cidade de Inhambane. Não beneficia da pensão de sobrevivência que o governo entrega mensalmente a alguns idosos.

Quanto às acusações de feitiçaria diz não ter dúvidas: "Não há provas evidentes que os idosos são feiticeiros, nem os que acusam podem provar. Portanto é um mito que está a aparecer".

Pensões não são para todos

Vasco José, de 63 anos, sobrevive prestando serviços domésticos em Maxixe. Não recebe nenhuma pensão porque não faz parte dos registos oficiais como tantos outros idosos que carecem de ajuda.

"A maior parte dos idosos não constam no cadastro para serem reconhecidos pelos serviços sociais, este é que é o problema", explica, sublinhando que, por isso, nas zonas rurais, "muitos idosos não beneficiam do provável estímulo".

O Governo moçambicano tem ajudado mensalmente cada idoso registado com uma cesta básica e um subsídio de sobrevivência de 300 meticais (perto de 5 euros). A seleção é feita por um agente local que identifica nas comunidades os idosos mais vulneráveis que necessitam de apoio.

Ser idoso em Moçambique é um pesadelo

Porém, até ao momento, não foi ainda possível abranger todos os idosos, admite Esperança Pacule, representante do Instituto Nacional de Acção Social (INAS) em Inhambane. "Uma figura que se chama permanente é o elo de ligação entre o INAS e a comunidade, devendo ser uma pessoa residente na comunidade onde temos as acções e idónea, porque como sabemos são pessoas vulneráveis e precisam de apoio", afirma.

Segundo dados do último censo populacional, realizado em 2007, na província de Inhambane os idosos representam 10% da população. A maior parte vive em zonas rurais, em situação de pobreza absoluta.

Em 2016, pouco mais de 9 mil idosos foram abrangidos por três programas sociais, revela a porta-voz do INAS em Inhambane. "Idosos na situação de acamados atendemos 488 beneficiários, no programa de subsídio social básico atendemos 8578 idosos e 30 no centro de apoio a velhice de Massinga", precisa Esperança Pacule. E há dois motivos frequentes: "a prática de feitiçaria e o abandono pela própria família, acrescenta.

Mudar mentalidades

Mas nem todos casos de maus-tratos contra idosos são denunciados. Por isso, o comando provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM) registou poucos casos em 2016, de acordo com o porta-voz em Inhambane, Simeão Machava: 82 casos de violência contra pessoas da terceira idade. Destes, 78 foram encaminhados para o Ministério Público.

Mas mudar mentalidades não tem sido fácil. E a falta de apoio também tem dificultado os trabalhos de sensibilização e divulgação da lei que protege os idosos, revela a presidente da Associação Gupuanana, que se dedica à defesa e proteção dos idosos. "Nós temos muitas dificuldades", conta Rute Samuel, que chega a usar meios pessoais. Nas comunidades, sublinha, os idosos precisam de comida, roupa e dinheiro.

  Joana Cumbane – Senioren in Mosambik
Muitos idosos vendem frutas nas ruas para sobreviverFoto: DW/L. da Conceicao

Filipe Luís, de 74 anos, outro residente de Maxixe, é artesão desde a década de 1980 no mercado central da cidade. Defende que os próprios idosos devem valorizar-se mais e não fazer tantas exigências aos filhos e outros familiares.

Mas acima de tudo é preciso haver uma mudança de mentalidade na sociedade e que as pessoas tratem melhor os idosos, defende Javaharlal Bagondas, de 70 anos. "Os idosos não podem ser desprezados. É preciso entender o que fizeram na vida deles. Desprezar os idosos não fica bem, é uma falha", diz o comerciante de Inhambane.

E também preciso acabar com os "maus exemplos na família", alerta Esperança Pacule. "Hoje consigo por meio próprio satisfazer as minhas necessidades básicas, amanhã poderei ser idoso, irei precisar dos meus filhos e netos para cuidarem de mim", lembra a porta-voz do INAS.

"Os jovens ou pessoas adultas que cuidam mal dos seus idosos devem saber que estão a trazer um exemplo mau para os seus filhos, que amanhã provavelmente pode acontecer com eles que não irão gostar", adverte.