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Sobram vagas para estudantes estrangeiros no Brasil

30 de julho de 2012

Programa brasileiro de cooperação educacional oferece vagas em curso superior gratuito para jovens de países em desenvolvimento. Cabo Verde, Guiné Bissau e Angola são os que mais enviam estudantes.

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Title: PECG003 Date: 27.07.2012 Description: portrait of Itamaraty Palace, MRE Date the picture was taken: 25.07.2012 Keywords: "universidades", "Brasil", "África" Copyright: Gustavo Ferreira | Acervo MRE
Itamaraty PalaceFoto: Gustavo Ferreira/Acervo MRE

Mirella Assunção tem 21 anos e chegou à capital brasileira em 2009 para cursar artes plásticas na Universidade de Brasília. Ela é uma entre os dois mil caboverdianos que atualmente estudam no Brasil, de acordo com a Embaixada de Cabo Verde. O país é campeão no número de inscritos e selecionados no Programa de Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G), coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, e que abre vagas em universidades brasileiras a alunos de países em desenvolvimento.

São cerca de duas mil oportunidades por ano para estudar de graça em mais de 60 instituições de ensino superior espalhadas pelo país. Mas os inscritos não chegam nem à metade e o número de selecionados é ainda menor. A conselheira da Divisão para Temas Educacionais do MRE, Almerinda Carvalho, explica que a seleção é rigorosa e, por isso, sobram vagas: “O comitê de professores indicados pelo Ministério da Educação não aprova candidatos que não tenham condições de acompanhar o curso”. Ainda assim, muitos alunos apresentam dificuldades no início. “Muitos reprovam no primeiro ano, mas nós entendemos que estão em processo de adaptação. Alguns são de países que falam português, mas eles mesmos não falam realmente a língua, e nós flexibilizamos apenas neste período”, ressalta.

O programa foi criado, em 1965, pelo governo brasileiro e, atualmente, tem parceria com 49 países, sendo 20 deles, africanos. Nos últimos anos, a África passou a ser a principal participante e chega a enviar 80% dos estudantes selecionados. De acordo com o MRE, a alta demanda africana se deve ao fato de que as universidades no continente ainda estão em processo de consolidação. De 2001 a 2010, Cabo Verde teve 2.474 candidatos aprovados, seguido de Guiné-Bissau, com 1.175, e Angola, com 466. Entre os que não falam português, a República Democrática do Congo é a que registra participação, com 250 selecionados no período. Ainda segundo o Ministério, uma média de 600 estudantes estrangeiros desembarca no Brasil pelo PEC-G por ano e cerca de 300 se formam anualmente.

Criando já uma tradição em enviar estudantes para o exterior, o governo de Cabo Verde instituiu uma bolsa de estudos para incentivar seus alunos. Aqueles com as melhores notas e comprovantes de baixa renda são beneficiados com um auxílio equivalente a R$ 600. “Além disso, eles ainda recebem plano de saúde e assistência odontológica”, detalha o embaixador de Cabo Verde no Brasil, Daniel Pereira. Os que não conseguem essa bolsa têm direito a descontos em um plano de saúde privado que firmou parceria com o país. Para Pereira, o incentivo é uma forma de reconhecer a importância dessa experiência internacional. “O atual primeiro-ministro de Cabo Verde estudou em uma universidade em São Paulo, assim como vários outros formados no Brasil estão em quadros de destaque no país”, observa o embaixador.

O caminho é árduo
Adaptar-se a um país diferente, ainda para aqueles que falam o português, impõe diversos desafios. As dificuldades começam desde o desembarque no aeroporto. “A gente chegou no aeroporto perdido e o taxista se aproveitou disso para fazer um trajeto muito mais caro”, lembra o congolês Jonathan Fumupamba. Lidar com o transporte, encontrar o endereço e conseguir um lugar para morar são alguns dos problemas comuns enfrentados pelos estrangeiros. Estudante de Agronomia Industrial na Universidade de Brasília (UnB) desde 2010, Jonathan conta que o primeiro ano foi muito difícil, principalmente enquanto ainda aprendia o português.

Em episódios mais graves, há relatos de gente que testemunhou ou diz ter sido vítima de racismo. A própria UnB foi palco de um atentado em 2007, quando um grupo de jovens invadiu o alojamento estudantil da universidade e ateou fogo em portas de apartamentos onde viviam estudantes africanos. Ninguém ficou ferido. A segurança foi reforçada e a Polícia Federal constatou o incêndio criminoso. Mas estudantes contam também que insultos verbais são comuns. Em março deste ano, um jovem de 26 anos, que pregava o racismo na internet e já havia sido condenado pelo crime em 2009, foi preso após a polícia descobrir que ele planejava um atentado com fuzil no campus.

O episódio de 2007 na UnB resultou em um programa de combate ao racismo e à xenofobia. A resposta foi uma das iniciativas do Centro de Pesquisa e Convivência Negra da universidade, criado em 2005, para promover a integração e a adaptação desses novos alunos. Outras universidades também possuem departamentos, atividades e eventos que servem de apoio aos estudantes.

Bons alunos podem conseguir bolsas

No ano passado, a situação melhorou para Jonathan ao ser beneficiado por uma bolsa oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) por meio das universidades federais a estudantes do PEC-G. O Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes) foi lançado pelo governo brasileiro, em 2003, e concede aos selecionados um auxílio equivalente a um salário mínimo (R$ 622). Entre os critérios para obtenção do benefício, além das notas, os alunos devem demonstrar no currículo acadêmico o envolvimento com atividades de extensão universitária, sobretudo as que possibilitem compartilhar suas culturas. Portanto, é mais provável que a assistência seja aprovada para aqueles que já avançaram um pouco no curso.

Mesmo assim, os estudantes relatam problemas. Segundo eles, é comum o atraso no pagamento da bolsa. O MEC informou que a verba é repassada às universidades no início de cada ano e elas são responsáveis por administrar o benefício. Já o MRE, que também oferece auxílio, explica que a ajuda é um incentivo e funciona como prêmio aos alunos. O órgão lembra que os estudantes assumem o compromisso financeiro de se manter no Brasil já no momento da inscrição no programa e, portanto, não devem contar exclusivamente com essa assistência.

Pelo Ministério das Relações Exteriores há três tipos de auxílio também no valor de um salário mínimo: a bolsa por mérito, a bolsa MRE e a emergencial. A primeira é concedida aos alunos com excelentes notas e, além do pagamento mensal, presenteia a passagem de volta ao país de origem. A segunda é como uma versão do Promisaes para os alunos que não estão em universidades federais e pode ser solicitada após um ano de chegada ao Brasil. Por fim, a de caráter emergencial não necessita abertura de edital como as outras, mas também deve ser requisitada junto à instituição de ensino. Como o nome indica, ela é concedida a alunos que comprovem situação financeira prejudicada de forma repentina durante o curso.

Para a queniana Virginia Wachira, estudante de Enfermagem também na UnB, os cálculos para se manter são difíceis. “Eu não sabia que Brasília era uma cidade tão cara”, conta. “É assim, ninguém te oferece ajuda, mas você tem que procurar. Em 2010, eu passei por problemas, busquei a reitoria e consegui um acompanhamento”, relembra Virginia. Apesar das dificuldades enfrentadas no início, a aluna reconhece o valor da experiência acadêmica.

A caboverdiana Mirella Assunção teve sorte. Seu irmão já estudava no Brasil e lhe despertou o interesse, além de lhe haver adiantado dicas para evitar os problemas comumente enfrentados no início. Mas o irmão morava em outra cidade e a ajuda limitou-se a recomendações. Ao saber, então, que iria para Brasília, Mirella começou a pesquisar tudo sobre o lugar. “Eu tentei procurar gente do meu país que estudava na UnB e então encontrei uns estudantes que estavam justamente de férias em Cabo Verde”, conta.

“Assim eu soube quanto custava o restaurante universitário e fiquei sabendo também que Brasília tem uma terra vermelha que suja toda a roupa”, exemplifica a estudante sobre a seca que atinge a capital durante três meses. Antes de embarcar, Mirella já tinha alguém para lhe receber no aeroporto e hospedá-la. Ela reconhece que teve sorte, mas diz que também é preciso ter iniciativa. “A gente assina um contrato e tem que ler, porque está tudo escrito. A gente sabe que quando chegar aqui não vai ter ninguém para ajudar”, orienta.

Como participar

As inscrições devem ser feitas nas embaixadas brasileiras de cada país entre abril e junho de cada ano. O candidato deve ter entre 18 e 25 anos, ter concluído o equivalente ao Ensino Médio no país de origem e assumir o compromisso financeiro de se manter no Brasil e arcar com os próprios gastos pessoais, incluindo alojamento, transporte e alimentação.

O candidato pode escolher duas cidades e dois cursos de interesse. Há opções em todas as regiões brasileiras e uma ampla oferta de carreiras. “Se o aluno é bom na área de matemática, química, biologia, ele pode tentar engenharia, medicina, cursos relacionados às ciências exatas, por exemplo”, explica a conselheira do MRE. “Nós queremos aproveitar o potencial dos alunos, então eles têm que ter boas notas principalmente nas disciplinas relacionadas aos cursos desejados”, conclui. Entre os mais procurados estão medicina, administração, economia e comunicação social.

Para os que não falam português, há a opção de fazer um ano de aulas intensivas do idioma antes de iniciar a faculdade. Mas é preciso ser aprovado em um exame da língua. Do contrário, o aluno retorna ao país de origem sem ingressar na educação superior. Nem todas as universidades conveniadas, no entanto, possuem o ensino de português para estrangeiros. Caso o estudante tenha que aprender o idioma em outra cidade, ele também deve arcar com os custos da viagem.

O Brasil possui outros programas de cooperação educacional internacional e o PEC-G foi, inclusive, estendido para cursos de pós-graduação – o PEC-PG –, há 30 anos. Há ainda possibilidades de intercâmbio de estudantes e fomentos para pesquisas. Paralelamente, algumas universidades possuem convênios independentes e diretos com os países. Os interessados devem estar atentos na hora de escolher. O PEC-G oferece oportunidades para estudar de graça até mesmo em faculdades particulares, enquanto programas paralelos de algumas instituições privadas oferecem apenas descontos nas mensalidades.

Estudantes estrangeiros não estão autorizados a trabalhar no Brasil (a não ser em estágios conveniados com o curso), e para se manterem legalizados é necessário estar devidamente matriculado na instituição de ensino. No Ceará, por exemplo, um grupo de estudantes da Guiné-Bissau quase foi deportado neste mês. Devido a dificuldades financeiras, eles não conseguiram renovar a matrícula da faculdade onde estudavam e, consequentemente, ficaram em situação irregular. A Justiça, no entanto, evitou a deportação e lembrou que o país tem sofrido as consequências de um golpe político. Um acordo foi negociado para reavaliar a dívida dos alunos.

Mirella Assunção pesquisou tudo sobre Brasília antes de viajar
Mirella Assunção pesquisou tudo sobre Brasília antes de viajarFoto: Arquivo pessoal
O congolês Jonathan Fumupamba estuda Agronomia na UnB
O congolês Jonathan Fumupamba estuda Agronomia na UnBFoto: Arquivo pessoal

Autora: Patrícia Álvares
Edição: Melina Mantovani / António Rocha

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