Sudão e Sudão do Sul: Nova amizade no horizonte?
15 de novembro de 2019Quando o novo primeiro-ministro do Sudão, Abdalla Hamdok, chegou à capital do vizinho Sudão do Sul, em setembro, mostrou-se "muito satisfeito" por estar na sua "segunda casa, Juba". No passado, declarações como esta de políticos sudaneses em relação ao Sudão do Sul seriam improváveis. A relação entre os dois países tem sido conturbada: após uma violenta guerra civil, que durou 22 anos, o Sudão do Sul, de população maioritariamente cristã, separou-se do norte predominantemente muçulmano e de língua árabe e declarou a independência, em 2011.
Com a destituição, em abril deste ano, do ex-Presidente sudanês, Omar al-Bashir, o relacionamento entre o Sudão e o Sudão do Sul tem melhorado a olhos vistos. Hamdok, que lidera um Governo de transição de 18 membros formado após a queda de Omar al-Bashir, que esteve no poder de 1989 a abril deste ano, diz que os dois países procuram um novo relacionamento mais estratégico.
E a saída de al-Bashir abre caminho não só à melhoria das relações, mas também ao trabalho conjunto para resolver os problemas internos dos dois países - que, por vezes, se agravaram com o apoio do Governo vizinho. "Os dois países dependem, de facto, da boa relação com o outro", afirma Marina Peter, especialista no Sudão na organização alemã Brot für die Welt (Pão para o Mundo).
Do apoio a rebeldes à mediação
Em 2013, apenas dois anos depois da independência, o Sudão do Sul entrou numa guerra civil, provocado pela rivalidade entre o Presidente, Salva Kiir, e o seu então vice-Presidente, Riek Machar. Estima-se que 400 mil pessoas tenham sido mortas no conflito e mais de 4 milhões de pessoas tenham sido deslocadas. Sob a liderança de al-Bashir, o Sudão apoiou o grupo rebelde de Riek Machar, bem como outros elementos que se opunham ao Governo do Sudão do Sul. "Para Kiir, é importante que Machar já não receba apoio do Sudão, especialmente no que diz respeito a armamento", sublinha Marina Peter.
Ao mesmo tempo, o Sudão do Sul também apoiou grupos rebeldes no Sudão, particularmente na área das montanhas de Nuba, no sul do Sudão, que tem laços históricos e culturais fortes com o que é agora o Sudão do Sul.
Histórias como estas poderão ser águas passadas. A ex-representante especial da União Europeia no Sudão, Rosalind Marsden, considera que as melhorias são evidentes e que esta "é uma oportunidade de ouro para ver o fim do conflito" na região.
Ainda no regime de Omar al-Bashir, o Sudão, ao lado do Uganda, tinha já começado a mediar as conversações entre Kiir e Machar, que assinaram um acordo de paz em 2018, decidindo formar um Governo de transição de unidade nacional. O Governo deveria ter sido formado até 12 deste mês, mas foi adiado por 100 dias.
Recentemente, o chefe do Conselho Soberano do Sudão participou nas negociações entre Kiir e Machar que decorreram no Uganda, com o intuito de facilitar o acordo para a formação de um Governo de transição e de unidade nacional no Sudão do Sul.
"Os dois países estão a atuar como mediadores para se ajudarem mutuamente a resolverem os seus conflitos internos, até porque cada um tem influência sobre as forças da oposição no outro país", considera Rosalind Marsden, que esteve no Sudão na qualidade de diplomata europeia. "É claro que o Governo de Cartum está a assumir essa responsabilidade e a contribuir de forma positiva para ajudar o Sudão do Sul a resolver os seus problemas pendentes".
Fronteiras abertas e novas oportunidades
O Sudão do Sul e o Sudão também estão ligados a uma dependência da exploração do petróleo. Uma grande parte dos campos de petróleo está localizada no Sudão do Sul, mas a única maneira de fazer a extração é através do oleoduto e do porto do Sudão. O Sudão recebe entre 9 a 10 milhões de euros por cada barril de petróleo do Sudão de Sul, de acordo com a agência de notícias Reuters. Se o Sudão do Sul puder voltar a exportar petróleo, será benéfico para os dois países.
Os dois países esperam também melhorar as relações económicas, isto numa altura em que o Sudão enfrenta uma grave crise económica, com inflação alta e aumento dos preços dos alimentos, que estiveram na origem dos protestos que afastaram al-Bashir do poder.
Já o Sudão do Sul, um dos países mais pobres do mundo, viu a sua precária economia devastada por seis anos de guerra civil.
"Espera-se que as fronteiras abram novamente e as trocas comerciais possam ter lugar", diz Marina Peter, da Brot für die Welt. Algumas vozes nos dois países sugerem mesmo a formação de uma espécie de confederação no futuro, segundo a especialista.