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“Suspensão de telenovela põe homossexuais em risco maior”

Madalena Sampaio10 de fevereiro de 2015

A suspensão de "Jikulumessu", provocada por um beijo gay, "abriu uma porta" para a possibilidade de violência contra homossexuais, considera ativista angolano. Ao poder pede que garanta proteção a todas as pessoas.

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Foto: Katrin Gänsler

Causou grande polémica no país um beijo homossexual entre dois protagonistas de uma telenovela transmitida diariamente pelo canal 1 da Televisão Pública de Angola (TPA). Depois deste episódio, emitido no dia 28 de janeiro, "Jikulumessu – Abre o Olho" acabou por ser retirada do ar.

Nessa altura, a empresa produtora da telenovela, a Semba Comunicação, liderada por José Paulino dos Santos (Coréon Dú), um dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos, referiu, em comunicado, que a telenovela "aborda vários assuntos socialmente sensíveis, com particular destaque para a violência juvenil, delinquência, corrupção, poligamia, homossexualidade e a prostituição" para "chamar a atenção para a sua existência e suscitar um debate saudável".

Por outro lado, a empresa reconheceu que "algumas imagens emitidas" podem ter "ferido suscetibilidades e algumas pessoas podem tê-las considerado impróprias" e pediu desculpas a todos que se tenham sentido ofendidos.

Entretanto, nas redes sociais iniciou-se um longo debate, que continua até ao momento, sobre a suspensão da telenovela, com comentários tanto de apoio como de contestação.

A DW África conversou sobre o tema com José Patrocínio, coordenador da Omunga. A organização de defesa dos direitos humanos, que acompanha a questão da homossexualidade em Angola há vários anos, considera que a suspensão da telenovela põe em risco maior os homossexuais e outros grupos de orientação sexual não heterossexual.

DW África: O primeiro beijo homossexual da história da televisão pública angolana causou polémica e a telenovela acabou por ser suspensa. O que achou desta medida?

José Patrocínio (JP): É bastante triste ver que em Angola estamos cada vez mais a ficar limitados em relação a uma série de direitos e em relação a uma série de assuntos que cada vez mais se vão tornando tabu. Pretende-se cada vez mais atirar os assuntos para debaixo do tapete e não se discutir. Estamos a tomar em conta valores que são extremamente prejudiciais para a sociedade.

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O facto de se ter cancelado a novela por causa das ideias, das opiniões das pessoas que são contra a homossexualidade põe em causa e em risco maior os próprios homossexuais. Não só existe uma discriminação, como também se abriu uma porta para uma possibilidade de violência contras estas próprias pessoas.

DW África: Para a Omunga, uma novela como esta seria um passo positivo para suscitar o debate e o diálogo na sociedade angolana sobre a tolerância e o respeito por todos os grupos sociais, como está consagrado, aliás, na Constituição da República angolana?

JP: A Constituição consagra isso, embora depois não seja muito clara. Na realidade, quando estivemos a trabalhar com outras organizações na altura da revisão da Constituição, a proposta que fizemos foi precisamente que isso ficasse mais claro. Infelizmente, não ficou. Obviamente, todos os passos, sejam eles novelas, filmes, teatro, livros, seja o que for, são importantes para levar ao debate assuntos como este, mas também temas como o racismo e a imigração. Tenta sempre dizer-se que em Angola estamos todos bem, que somos todos um só povo, mas na realidade, na prática, sentem-se bastantes problemas.

DW África: O que é preciso fazer em Angola uma vez que este tema da homossexualidade e também do casamento homossexual é um grande tabu no país?

Rui Ferreira
José Patrocínio, coordenador da organização de defesa dos direitos humanos OmungaFoto: DW/Sul d'Angola

JP: Em primeiro lugar, é necessária a questão do debate. É necessário que quem está no poder garanta a proteção das pessoas. A questão não é só se houve ou não um debate e que as vozes contra os homossexuais, vozes do falso moralismo, tenham tido força.

O que é prejudicial e pior é que tenha havido uma medida por parte do poder para impedir a continuidade da novela. Isso mostra que as lideranças que nós temos não garantem proteção a todos os cidadãos, nomeadamente as pessoas que têm uma orientação sexual que não seja a heterossexual.

Pior do que as vozes que se levantaram e a linguagem agressiva nas redes sociais contra a homossexualidade foi o poder não ter tomado posições para garantir a proteção dessas pessoas. Há que fazer sobretudo um grande trabalho em relação ao poder no sentido em que ele comece a tomar posições para defender todas as pessoas.

DW África: Acha que se usa muito a desculpa da tradição e dos valores da sociedade angolana para não se discutir um tema que faz parte da realidade do país?

JP: Usa-se muito e não é só em Angola. Acho que em grande parte dos países africanos se tenta sempre o debate tendo em atenção a questão tradicional africana. E obviamente a tradição africana não é como se tenta impor. Existe uma questão de visão religiosa, que não é tão tradicional assim. É uma questão que veio também com a colonização. É a partir da colonização que começa a haver uma linguagem de discriminação agressiva contra determinadas formas de ser.

Não acredito que antes desses valores moralistas religiosos que vieram com a colonização houvesse na realidade uma discriminação violenta. Obviamente não estou a dizer que a homossexualidade ou outros tipos de orientação sexual sempre foram bem vistos, mas acredito que não havia uma arrogância, uma linguagem violenta e uma violência concreta contra essas pessoas como está a acontecer agora.

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