Comissão de Inquérito ouve figuras ligadas à TACV
3 de fevereiro de 2018As personalidades ouvidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foram praticamente unânimes: a TACV nunca gozou de boa saúde financeira. A Transportadora Aérea de Cabo Verde tem sido abalada por uma forte de tesouraria, com um passivo acumulado de mais de 100 milhões de euros. No passado mês de Julho, a TACV pôs fim às suas operações domésticas, passando tudo para a Binter Cabo Verde. Em agosto, o grupo Icelandair, da Islândia, assumiu a gestão do negócio internacional da companhia cabo-verdiana.
Os deputados cabo-verdianos querem saber o que passou com a companhia para chegar a este estado. Para isso, criaram a CPI e estão a ouvir ex-governantes e antigos gestores da empresa.
"Cabo Verde não tem recursos para construir um hub aéreo”
Para o antigo primeiro-ministro Gualberto do Rosário, a transferência do serviço de handling para a ASA (a empresa de Aeroportos e Segurança Aérea) foi um duro golpe para a TACV: "A decisão foi muito negativa, porque se a empresa prestava antes o serviço de handling e era uma das principais fontes de receita da companhia, que equilibrava as suas contas, com a transferência deixou de ter esses proveitos e passou a pagá-los”.
Gualberto do Rosário revelou que em 2001, quando deixou o Governo, estava tudo preparado para a privatização da TACV. "Infelizmente, perdemos a oportunidade no final dos anos 2000”.
"A partir daí, percebe-se que há uma mudança de opção, sobretudo porque não se compreendeu que não se constrói um hub aéreo sem a companhia de bandeira, não se constrói um hub aéreo sem uma associação umbilical entre a companhia de bandeira e o aeroporto que vai servir de plataforma e não se constrói um hub aéreo sem conhecimento, sem know how, sem experiência e sem recursos.”, explicou o ex-chefe do Governo.
"Cabo Verde não tem nem conhecimento nem know how, nem experiência nem recursos para construir um hub aéreo”, enfatizou.
A ideia é rejeitada pelo antigo ministro dos Transportes, Manuel Inocêncio Sousa, para quem a privatização não aconteceu, não por falta de vontade, mas devido à situação financeira da empresa. "Houve dificuldades em conseguir fazer a privatização. Houve sempre vontade de privatizar a TACV, que só não foi à falência porque é uma companhia pública”.
Manuel Inocêncio Sousa afirmou que a TACV nunca gozou de boa saúde financeira, "acumulando ao longo dos anos resultados negativos”.
"A situação não era boa, prova disso é que nós não conseguimos interessar parceiros para a privatização da empresa”, explicou.
Uma empresa sem solidez
A ideia foi reforçada esta sexta-feira (02.02) por Sara Lopes, que substituiu Manuel Inocêncio Sousa na pasta dos Transportes: "Uma forma justa, correta e honesta de analisar e retratar a TACV é que ela nunca foi uma empresa sólida e, sobretudo, a partir do momento em que iniciou o processo de internacionalização, passando a ser uma companhia global, nunca teve solidez”.
Rui Santos, coordenador do Gabinete de Privatização entre 2005 e 2009, avançou que, nesse período, entre os concorrentes que se apresentaram para gerir a TACV estiveram a alemã Lufthansa e empresas ligadas à British Airways. "Isso aconteceu há dez anos, mas lembro-me que pelo menos a Lufthansa Consulting estava incluída no lote de concorrentes. Essas empresas, se calhar, pensando que só o seu nome bastaria para ganhar o concurso, não apresentaram as melhores propostas”.
O antigo presidente da TACV João Pereira Silva disse que dirigentes da Binter lhe haviam garantido que não entrariam em Cabo Verde numa situação em que houvesse uma empresa cabo-verdiana do Estado em regime de concorrência.
Na semana passada, o vice-primeiro-ministro Olavo Correia anunciou que a avaliação financeira da Transportadora Aérea de Cabo Verde com vista à sua privatização deverá estar concluída até o próximo mês de junho.