TAP: Voos humanitários a preços nada solidários
22 de julho de 2020Esta quinta-feira (23.07), a companhia aérea portuguesa TAP realiza o segundo voo solidário de repatriamento de Lisboa para Maputo, depois do voo realizado a 16.07.
Com o Estado de emergência, os voos de e para Moçambique foram cancelados. O surto do coronavírus transtornou a vida e os planos de muitos moçambicanos que foram para Portugal com objetivos diversos, entre os quais para turismo, tratamento médico e reagrupamento familiar. Cerca de uma centena continua retida no país europeu.
Gilmar da Conceição, um dos visados, relata existirem conterrâneos seus que, em grupos de três, quatro e cinco pessoas, estão a partilhar um quarto por falta de condições financeiras.
"Porque estão aqui há mais de três, quatro meses e não têm o que comer, não têm como dormir. Mas através da solidariedade, um moçambicano ajuda o outro e vamos tentando sobreviver", relata.
Gilmar da Conceição é um dos passageiros que viaja, esta quinta-feira pela TAP no segundo voo humanitário de repatriamento de moçambicanos que ficaram várias semanas confinados em Portugal por causa da pandemia do coronavírus.
"Vim fazer o meu doutoramento em Economia. Era para regressar em maio, mas fiquei retido por causa da Covid-19. Já pretendia regressar e, com muitas dificuldades, consegui reunir condições financeiras para poder regressar neste voo do dia 23 com a ajuda de familiares", conta.
Preços proibitivos
O custo elevado dos bilhetes praticado pela transportadora aérea portuguesa, a rondar os 1.630 euros só para ida, é um dos transtornos para muitas famílias retidas em Portugal. Isso tem suscitado críticas da maioria dos que ainda querem regressar a Moçambique.
"Este voo do dia 23 deixa de ser um voo humanitário e passa a ser um voo comercial, porque, para alguém conseguir 1.600 euros numa situação difícil, é mesmo complicado", avalia o moçambicano.
Mendes Afonso Chongo faz parte da grande maioria dos moçambicanos que não têm condições para suportar aquele valor.
"Mesmo para o próximo voo, creio eu que, em uma semana, ninguém está à altura de pagar esse voo. Então, ficamos aqui a questionar: será que, de facto, estamos a falar de voos de repatriamento ou é apenas um voo comercial que está sendo feito nesta altura com esta abertura [anunciada pelo] chefe de Estado moçambicano [Filipe Nyusi] em nome da reciprocidade perante os voos de Portugal para Moçambique e vice-versa?", questiona.
"Porque, de facto, de humanitário este voo não tem nada. É mais um voo comercial. Não sei se é a TAP que está a querer aproveitar-se [da situação] ou terá havido um entendimento com o Governo [moçambicano]? Não posso pronunciar-me a este respeito. Eles, a TAP, não são flexíveis. Portanto, tendo dinheiro, compra o bilhete. Não tendo dinheiro, não há espaço para negociação", descreve Mendes Afonso Chongo.
Passar necessidade em Portugal
Há relatos de moçambicanos já sem recursos financeiros em Portugal que, se não viajarem, correm o risco de serem despejados. Há também quem esteja a vender os seus bens em Moçambique como meio para custear os bilhetes de regresso.
De Braga, Benedito Jaime Monjane, promotor do movimento que alertou sobre a situação dos moçambicanos através das redes sociais, foi dos primeiros a mostrar a sua indignação face aos obstáculos para o repatriamento.
"Nós tomámos a iniciativa de remeter [à Embaixada em Lisboa] mais uma outra petição excecional, na semana finda, [em nome] deste grosso número que não tem condições financeiras para poder comprar o bilhete da TAP para o dia 23, sendo esta a última oportunidade e também de abertura que houve em relação ao Governo de Moçambique", explica.
Regressar com a LAM
Face a isso, o Governo moçambicano fez démarches e negociou com a TAP a realização de um voo alternativo, previsto para o dia 29 deste mês, através das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), ao preço médio de 750 euros só de ida. Este foi um dos assuntos discutidos, esta terça-feira (21.07), num encontro na Embaixada de Moçambique em Lisboa com parte do referido grupo de subscritores de uma petição especial visando pressionar o Governo moçambicano em busca de uma solução.
Para o repatriamento sem exceção, o grupo defende que, dos 750 euros, o Governo moçambicano deve subsidiar em 250 euros os que não têm condições para suportar os custos. Para estas pessoas que já tinham bilhete de volta a Moçambique, "é um custo que não estava previsto", refere Gilmar da Conceição, que pede a revisão dos preços "para que todos possam regressar". Avisa que, "se for a 750 euros, mesmo assim, uma parte vai viajar e a outra não, porque este ainda continua a ser um preço comercial e não humanitário".
Ajuda insuficiente
Benedito Monjane, mentor do grupo "Reféns do Repatriamento", saúda a reação solidária do Governo moçambicano, mas lembra que, dos 90 restantes passageiros listados, 60 não conseguem pagar a totalidade dos 750 euros estabelecidos com a LAM.
"São 60 pessoas que têm disponibilidade de pagar os 500 euros. Então, queremos explorar a possibilidade de o Governo subsidiar a diferença de 250 euros, uma vez que é nossa companhia de bandeira nacional," diz.
No entanto, a DW África acaba de saber, por intermédio do referido grupo, que a agência de viagens moçambicana Cotur já deu início à venda de bilhetes e que os de 750 euros já se esgotaram sem os estudantes em Portugal terem conseguido fazer a respetiva compra para o voo do dia 29 deste mês.
Os "Reféns do Repatriamento" mostram-se indignados por não estarem "a perceber o que está a acontecer" e lamentam, em alternativa ao voo da TAP, que haja uma "mão invisível" que ainda se aproveita do sofrimento dos moçambicanos com dificuldades "presos" em Portugal.
Angolanos também tentam retornar
Por seu lado, apesar do Governo angolano ter anunciado voos de repatriamento pela companhia nacional, TAAG, a partir desta sexta-feira (24.07), os angolanos retidos em Portugal ainda têm queixas. Entre vários, a DW África ouviu Elsa Vasco, que veio a 4 de março, acompanhada do marido, para fazer uma cirurgia. Em parte, está satisfeita por fazer parte do primeiro grupo a regressar a casa.
"Embora tarde, foi uma boa iniciativa, mas poderia ter sido melhor. O nosso consulado devia zelar mais por nós. Ninguém nos informou antes. Estávamos todos perdidos, entre os perdidos e os achados. Até que se criou um grupo, [por intermédio do senhor Sérgio Rodrigues, apresentador da TPA] e [se] começou a tentar resolver minimamente [os problemas] dentro das possibilidades dele, aquilo que conseguia resolver", descreve.
A paciente angolana reclama da falta de informação oportuna por parte do consulado e - ainda que tenha conseguido recursos para fazer o teste prévio do coronavírus exigido pela TAAG - lamenta haver pessoas em situação financeira difícil que não têm condições financeiras para cumprir esta exigência em vésperas dos voos.
"Já formos informados também que, quem tiver Covid, fica. Em que situação vai ficar essa pessoa? Nós somos angolanos e temos que voltar todos para a nossa casa. Com Covid ou sem Covid, temos que voltar. Há três semanas, liguei para o consulado por causa de uma senhora que está com Covid e o consulado pura e simplesmente respondeu-me que não pode fazer nada, porque a responsabilidade é pura e simplesmente do hospital", desabafa Elsa Vasco.
Informação truncada
A jornalista angolana Elisa Coelho lembra, de acordo com as primeiras indicações do Governo, que os testes não eram obrigatórios para os angolanos retidos fora de Angola. "Mas quem pudesse fazer o seu teste no país de origem gozava da prerrogativa de, em Angola, cumprir só sete dias de quarentena. Após isso é que o Governo angolano faria novo teste", explica a cidadã angolana.
"Por exemplo, nós que estamos aqui em Portugal, se não tivéssemos possibilidade de fazer o teste antes do embarque, ficaríamos obrigatoriamente os 14 dias de quarentena. Mas [esta semana] já mudaram o plano. Já dizem que todos são obrigados a fazer. E [os testes] não são grátis. Nós temos que gastar do nosso bolso e as pessoas estão sem dinheiro", conclui.
A operação de repatriamento patrocinada pelo Governo de Luanda por causa da Covid-19 visa apoiar o regresso dos concidadãos em vários países, entre os quais os cerca de sete mil angolanos retidos em Portugal.