Novo mandato de Nyusi? "Balão de ensaio" sem suporte legal
22 de junho de 2021Em maio, logo depois do comité central do partido no poder, a FRELIMO, os "devotos" de Filipe Nyusi, que não é nenhum santo, mas que é equiparado a um pelos próprios, usaram as redes sociais como um "balão de ensaio" a favor do Presidente da República (PR). Um terceiro mandato de Nyusi ou a não realização das eleições gerais foram "testados".
Convidado a comentar a "iniciativa", o académico moçambicano Elísio Macamo acredita que "podemos partir do princípio de que se trata, de facto, de um balão de ensaio e que essas pessoas estejam a testar as águas para saberem o que povo pensa sobre isso".
O investigador da Universidade de Basileia, Suíça, lembra que esta "não seria a primeira vez" que acontece algo do género: "Chissano e Guebuza também passaram por isso", comenta.
"Embora seja um ato de especulação, penso que existem pessoas em Moçambique que estão a cogitar a possibilidade de um terceiro mandato ou, pelo menos, a não realização das terceiras eleições, justamente para continuarem mais tempo no poder."
"Iniciativa" dos "devotos" sem suporte legal
A Constituição moçambicana prevê apenas dois mandatos presidenciais de cinco anos cada. Filipe Nyusi vai já no segundo, que termina em 2024. Uma alteração constitucional neste momento seria impraticável, segundo o artigo 301 da própria Lei Mãe.
"[A Constituição] estabelece que ela só pode ser alterada de cinco em cinco anos. A última alteração foi feita em 2018 e não me parece que já tenha passado esse período previsto pela própria Constituição para que seja alvo de qualquer revisão. Segundo, tem a ver com o número de deputados que devem votar na alteração de uma possível revisão constitucional. No caso de Moçambique são dois terços que deveriam votar, e não me parece que a FRELIMO tenha isso", explica o jurista Job Fazenda.
O jurista sublinha ainda que tal mudança carece também do consentimento da sociedade e esclarece que nem uma situação de estado de emergência pode ser determinante alterar a Constituição. Quanto à possível não realização das presidenciais, Fazenda lembra que seria a primeira vez desde a implementação da democracia no país que isso aconteceria e garante que não há motivos que o justifiquem.
"Acho que ainda não chegamos a uma situação dessas. Se olharmos para a Covid-19, o nosso país tem estado a conseguir muito bem a adoção de medidas de prevenção e tem estado a assegurar, por exemplo, que não haja ruturas no sistema de saúde ou para que não entremos numa situação de insustentabilidade", justifica.
Precipitação dos "devotos"
Para o jurista, discutir estes temas é uma precipitação, uma vez que as eleições não estão sequer à porta. E Fazenda duvida que essas sejam as pretensões de Nyusi. O investigador Elísio Macamo também aventa a possibilidade de se tratar apenas e exclusivamente de uma "iniciativa" dos próximos do Presidente.
Para fundamentar o "balão de ensaio", os "devotos" de Nyusi afirmam que o Presidente não teve tempo para cumprir a sua agenda governativa porque esteve ocupado a gerir as "batatas quentes herdadas" da anterior governação, para além da crise em Cabo Delgado.
O investigador Elísio Macamo bate nos "devotos", afirmando que "esse é um argumento infantil, porque um Presidente não é eleito para não ter problemas ou para agir num contexto em que não há problemas, é eleito para governar consoante o contexto". Mas mostra-se plácido com Nyusi: "Não tenho a impressão de que ele tenha alguma razão para sentir que não cumpriu seja o que for. Se fizermos uma análise fria, objetiva e racional, a primeira coisa que vamos constatar é que, de facto, ele recebeu um presente envenenado".
Macamo busca os factos: "Ele ascende a Presidência num momento particularmente difícil, sobretudo por causa das dívidas ocultas. Penso que nestas circunstâncias é difícil que consiga mais do que foi capaz de fazer. Temos de ter essa sensibilidade para o contexto em que tem estado a governar para que, quando fizermos a avaliação, não sejamos demasiado duros para com ele".