Tombuctu, o Património Cultural da Humanidade no Mali
19 de abril de 2013Pérola do Saara, casa dos 333 santos, centro de ciência e cultura. Por séculos, a população da cidade de Tombuctu, viveu a era dourada como Património Cultural da Humanidade do Mali.
Atualmente, porém, inúmeros mausoléus de seus santos estão destruídos. Muitas das escrituras de valor inestimável foram queimadas pelos islamistas antes de sua retirada.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) garante fazer de tudo para salvar o que restou. Mas a fabulosa Tombuctu se transformou em uma cidade fantasma, na qual os habitantes vivem com medo e na miséria.
Primeiras impressões
No posto de controle do exército maliano na periferia de Tombuctu, no Norte do país, soldados verificam os documentos e examinam o porta-malas do carro de quem quer entrar na cidade. Só então, dão passagem.
O Exército do Mali está na cidade e unidades francesas encontram-se estacionadas no aeroporto. Mas de alívio e alegria entre as pessoas não há sinal.
Quem vem a Tombuctu ainda é acolhido em nome da auto-proclamada guerra santa, a Jihad, em árabe e francês. "Tombuctu, o farol do Islã", está escrito na grande placa em preto e branco logo na entrada. Adiante lê-se: "Aqui vale a sharia. Aqueles que respeitam a lei islâmica são bem-vindos".
As placas ainda não foram demolidas. Porque não, se pergunta também Ali Baba, que antigamente guiava turistas pela cidade.
Ele conta que muito mais do que mil islamistas passaram pelo local. "Todos os tipos de grupos estiveram aqui, Ansar Dine, Al-Qaeda, Boko Haram da Nigéria, jihadistas do Egito, Líbia, Tunísia, Mauritânia - mas naturalmente também do Mali. Todos eles vieram para lutar supostamente em nome do Islã", diz.
Reduto de terroristas
Tombuctu teria tido um significado especial para os islamistas, diz Ali Baba. A cidade esteve cheia de jipes camuflados, metralhadoras e a bandeira negra da polícia do Islã balançava por toda parte.
Grandes terroristas e líderes da Jihad no deserto teriam passado por aqui: Abu Zeid, o conhecido "emir de Tombuctu". Vestindo uma túnica branca, o chefe da Al-Qaeda no Magreb Islâmico teria sido conduzido numa Mercedes preta pela cidade.
O "Mr. Marlboro" também teria visitado Tombuctu. Mokhtar Belmokhtar, o homem com o tapa-olho que já foi um cabeça importante da Al-Qaeda e que ganhou as manchetes dos jornais com a espetacular tomada de reféns no campo de gás argelino em Amenas.
A morte de Abu Zeid em combate no norte do Mali - por soldados do Chade e franceses - foi confirmada pelos dois países. A França aguarda exames de DNA para verificar se Mokhtar Belmokhtar também teria morrido no confronto.
Já o presidente do Chade, Idriss Deby, afirmou recentemente ter provas de que Belmokhtar teria se suicidado.
Rastro de destruição e traumas
Era uma vez a mágica Tombuctu, afirma Ali Baba. Os islamistas destruíram a maioria dos mausoléus de santos e queimaram parte da famosa coleção de manuscritos. Por um ano inteiro, eles aterrorizaram as pessoas com proibições, amputações e apedrejamentos.
O próprio ex-guia turístico já assistiu a grandes punições, realizadas na praça da Mesquita Sankore. Lembra-se de como um casal de namorados foi açoitado. “Os islamistas disseram que essas pessoas cometeram um delito sexual e geraram um filho de forma ilegítima. O homem recebeu 100 golpes de chicote diante dos nossos olhos. A mulher, 95 chicotadas”, revela.
Agora, os islamistas se foram, pelo menos oficialmente. Mas o sofrimento continua. No início de fevereiro, quando o presidente francês, François Hollande, veio como um libertador a Tombuctu, a cidade estava em um delírio de alegria. Mas disso não restou muito mais do que algumas bandeiras francesas nas ruas de areia.
Tombuctu é uma cidade traumatizada. “Aqui todos se conheciam, todos eram úteis, hospitaleiros - agora cada um só pensa em si mesmo, em sobreviver. A necessidade é grande, muitas pessoas comem apenas uma vez por dia, isso quando comem”, explica Ali Baba.
Prejuízos económicos
No mercado de Tombuctu, comerciantes oferecem suas mercadorias mas ninguém compra. Também as laranjas de Bintou Maiga apodrecem sob o calor. A comerciante conta que teve que aumentar os preços, especialmente de frutas, legumes, assim como do açúcar e do óleo. “Tudo isso custa quase o dobro do que antes da guerra”, lamenta.
Muitas pessoas fugiram de Tombuctu, por medo da luta, explica o proprietário do quiosque, Amadou Cissé. Muitos não iriam voltar. Pergunto se ele se sente tão seguro em sua cidade agora que ela estaria livre? Amadou apenas ri atormentado.
„ça va à la Malienne“, ele diz: „Funciona de alguma forma, do jeito maliano.” Isso significa algo como, não funciona de forma alguma.
Clima de medo permanece
A necessidade é grande e também o medo de ataques. As lojas no bairro árabe da cidade estão todas devastadas e saqueadas. Cidadãos de pele clara são considerados suspeitos, estigmatizados como traficantes de armas e drogas, possíveis homens-bomba, ou colaboradores dos islamistas.
Árabes e Tuaregues inocentes são pegos pelo exército e mais tarde encontrados mortos. Mouloud Banya coletou no bairro dinheiro para os filhos das vítimas. Ele está chocado porque o comandante das tropas do Mali em Tombuctu rejeita todas as acusações.
“O exército está aqui para se vingar e acertar velhas contas. Tenho a impressão de que o pânico realmente começou após a retirada dos islamistas!”, avalia.
História carbonizada, perda irreparável
O pátio do Centro Ahmed Baba para Documentação e Pesquisa (CEDRAB, sigla em francês), em Tombuctu, está repleto de caixas de papelão vazias. Das muitas centenas de manuscritos que eram armazenados nelas, restaram apenas algumas antigas capas de couro de cabra e camelo carbonizadas, além de cinzas.
Ali Baba mostra cinzas de Manuscritos do séculos XIV, XV e XVI. Os textos não eram apenas sobre o Islã, mas também sobre filosofia, poesia, matemática, astronomia e medicina.
O Centro Ahmed Baba armazenava e possibilitava pesquisar a coleção de manuscritos. Ocupado pelos islamistas, serviu-lhes de sede por quase um ano. Ao serem expulsos pelas tropas francesas e malianas, destruíram cerca de 3.000 documentos.
Alguns milhares permanecem porém intactos, escondidos num porão do instituto, em sótãos de particulares, e a maioria da coleção foi secretamente levada para a capital Bamaco por corajosos historiadores. Cerca de 45 mil documentos puderam ser, assim, preservados.
Mas para o Imam Al Mahadi Ben Essayouti, guardião dos manuscritos de Tombuctu, cada folha queimada é uma perda de valor inestimável.
“O valor desses manuscritos não é quantificável. Esses livros não são mercadorias, não se pode simplesmente colocar um preço neles. Eles pertencem a toda a humanidade. Ganhar dinheiro com um manuscrito e vendê-lo - isso significaria mudar a história”, garante.
A Organizaçãodas Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(UNESCO) quer ajudar na reconstrução de Tombuctu e lançou um plano de acção para a restauração de bens culturais - com 10 milhões de dólares.
Ali Daou, Gerente de Projetos da UNESCO em Bamaco, teme que o dinheiro não seja suficiente. Apenas para a reconstrução dos mausoléus seriam necessários cinco milhões de dólares. Mas torce, acima de tudo, para que nunca mais aconteça algo semelhante.
“O Mali é uma nação cultural. Nos mausoléus está a nossa fé. Nos manuscritos, nossa memória, a memória de África. Portanto, devemos fazer todo o possível para salvar este património”, conclui.