Trabalho infantil na Guiné-Bissau é uma "situação alarmante"
16 de fevereiro de 2016A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) declarou 2016 como o Ano de Erradicação do Trabalho Infantil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acredita que os países de língua portuguesa vão conseguir erradicar o trabalho infantil até 2025.
No entanto, e de acordo com estatísticas que a UNICEF lançou no ano de 2014, a situação nos países da CPLP é ainda preocupante. A Guiné-Bissau é o sexto país do mundo com uma maior taxa de trabalho infantil, onde 38% das crianças estão sob esta condição.
Segue-se a Guiné Equatorial com 37,8%, Timor-Leste com 28%, Moçambique com 22%, Angola com cerca de 25%, Brasil com 9% e São-Tomé e Príncipe com 7%. Com um panorama mais positivo estão Portugal e Cabo Verde com uma percentagem de 3%.
"Situação alarmante" na Guiné-Bissau
Nelson Medina, Diretor Nacional da Aldeia de Crianças SOS Guiné-Bissau, alerta para a situação alarmante no país e para a apatia do Estado. “O trabalho infantil na Guiné-Bissau é uma situação alarmante. É uma violação dos direitos da criança. A principal causa do problema tem a ver com o empobrecimento cada vez mais visível das famílias com baixo rendimento e a morte dos progenitores. E outra questão tem a ver com o fenómeno cultural, o êxodo rural, a crença e a tradição que por vezes obrigam as crianças a constituir mão-de-obra desde tenra idade. Atualmente, na Guiné-Bissau há muitas crianças que são pedintes a mando dos seus educadores e outras que estão a trabalhar por causa da pobreza da própria família”, explica Medina.
Desde 2009, a idade mínima para admissão ao trabalho na Guiné-Bissau é de 14 anos. No entanto, nem sempre esta lei é cumprida. Existem outros problemas subjacentes a esta realidade. As altas taxas de casamento precoce são um exemplo, principalmente em crianças do sexo feminino, que muitas das vezes não frequentam a escola ou abandonam muito cedo os estudos. De acordo com a UNESCO, a taxa de literacia na Guiné-Bissau é de cerca de 60%, com 72% dos homens literados, mas apenas 48% das mulheres.
Nelson Medina afirma que "o maior problema é a falta de investimento do Estado na educação e na saúde e a fraca intervenção do Governo em termos de legislação e cumprimento das normas legais internacionais. Muitas dessas meninas que são dadas para casamento são crianças que trabalham para estes senhores que não são maridos, são exploradores”.
"Cabo Verde é um caso de sucesso"
Em Cabo Verde, com uma taxa de trabalho infantil de 3%, a literacia é mais elevada. Quase 88% das pessoas com mais de 15 anos sabem ler e escrever, de acordo com a UNESCO. Dinastela Elias Curado, Coordenadora do Programa de Apoio à Estratégia Nacional de Criação de Emprego em Cabo Verde (PAENCE) da OIT em Cabo Verde sublinha que a maioria do trabalho infantil no país acontece em meio rural.
"A idade mínima para vida laboral é de 15 anos. Muitas vezes as famílias não separam convenientemente o que é trabalho que pode ser feito pelas crianças e o que é considerado trabalho infantil. Muitas das crianças nesta situação trabalham na agricultura, pecuária, etc. O trabalho infantil em Cabo Verde situa-se fundamentalmente no setor rural", salienta Dinastela. No entanto, pode dizer-se que "Cabo Verde é um caso de sucesso", pois "há uma constante colaboraração com o Governo na criação de vários instrumentos, um quadro legal e nas boas práticas de modo a promover o combate ao trabalho infantil", explica a especialista da OIT.
Erradicação do trabalho infantil até 2025?
Nelson Medina considera que erradicar o trabalho infantil na Guiné-Bissau até 2025 é algo utópico: "É um sonho. Há muita coisa que o Governo tem que fazer. Não estou a ver nada que o Estado esteja a fazer. A maioria das crianças que trabalha está no setor informal da economia e não há um controlo sobre isso".
Já em Cabo Verde, Dinastela Curado acredita que esta é uma meta tangível. "Eu penso que é possível, muito embora exija um trabalho muito grande. O aspeto cultural influencia bastante o modo de atuar e pensar das famílias. Para muitas, o facto de as crianças trabalharem é algo normal. A pouco e pouco vão-se conciencializando que o trabalho das crianças é outro", explica.
Juntamente com o Brasil e São Tomé e Príncipe, Cabo Verde tem constituidas comissões nacionais e planos de ação para combater o trabalho infantil, bem como uma lista que identifica os trabalhos perigosos.
Na CPLP, apenas Timor-Leste não tem uma idade mínima definida para admissão ao trabalho.