Transexual Titica chega ao topo das paradas do Kuduro
26 de abril de 2012Titica é o nome artístico de Teca Miguel Garcia, um transexual de 25 anos que começou a vida bem longe dos holofotes. O menino nascido na Avenida Brasil, em Luanda, Angola, órfão de pai e mãe, foi criado pelas tias mas desde cedo soube que era diferente. A dança foi a grande volta em sua vida e, entre um e outro novo passo, começou uma transformação paulatina e a luta contra o preconceito. As peças do guarda-roupa feminino foram incorporadas gradualmente e integraram o visual junto com apliques de cabelo, cílios postiços, unhas coloridas. “As pessoas foram se habituando aos poucos, foi um passo a passo e no entanto consegui ser a menina trans de Angola”, resume.
No começo, dançava canções congolesas, mas acabou em palcos famosos da cena do Kuduro e por anos apresentou-se com a cantora Propria Lixa. Participou de programas de TV para ensinar os movimentos do kuduro e criou seus próprios passos. Apesar disso, Titica queria mais e arriscou-se nos microfones. A primeira tentativa não deu muito certo, mas nem por isso ela perdeu o ânimo. “Dancei, dancei e cada ano que passava ia evoluindo minha própria dança. Depois de tanto tempo vi que eu também tinha o dom de cantar e voltei a fazer minha própria música. Fiz o Chão que, graças a Deus, foi hit e me lançou”, conta.
Alemanha dança até o Chão
Chão é o nome do álbum de estreia de Titica e as oito faixas têm tocado nas rádios de Angola e mesmo noutros países. “Cada fã gosta de uma música, então não sei, na verdade, qual é o meu sucesso. Uma mãe gosta de todos os filhos”, diz, envaidecida. Titica garante que até na China já tocaram suas músicas. Na Alemanha, isso é certeza: tanto que a cantora foi convidada para se apresentar em Berlim e em dezembro do ano passado botou os alemães a rebolarem no refrão de Chão, a canção título do disco. “Eu gostei de ver eles a dançar kuduro. Foi muito bom, o povo alemão foi muito acolhedor”, comenta.
Titica foi eleita a melhor kudurista de 2011 e, com pompa e circunstância, foi convidada para participar na noite de gala da música angolana, o Concerto das Divas, onde cantou para o presidente José Eduardo dos Santos e a primeira dama do país. Para ela, esse foi um dos momentos mais marcantes de sua carreira e a apresentação teve um peso ainda maior por conta de sua orientação sexual. “Foi um peso. Uma transsexual aqui em Angola, nesse país conservador, cantar ao lado do presidente. Não é fácil chegar lá”, enaltece.
Passos largos na luta contra o preconceito
Ela sabe bem o que isso representa na busca de aceitação e respeito por sua orientação sexual. Em sua carreira, nem tudo foi sempre alegre ou colorido. Deixar de ser o menino da Avenida Brasil para se tornar “a menina trans de Angola” envolveu uma luta contra os preconceitos. Violência e discriminação ela mesma sentiu na pele, mas acredita que as coisas estão a melhorar, mesmo que aos poucos. “Anteriormente atiravam garrafas, pedras, abusavam, xingavam os gays”, lembra. Segundo Titica, muitos ainda falam às costas, fazem zombarias e cometem abusos, mas os caminhos levam para mais respeito. “Agora mudou totalmente. Era 100% de preconceito. Agora está por aí 50%”, compara.
E há mesmo muito trabalho a ser feito. Cary Alan Johnson, diretor executivo da Comissão Gay e Lésbica Internacional de Direitos Humanos (IGLHRC), com sede em Nova Iorque, conta que o panorama do preconceito contra gays, lésbicas e transexuais ainda é grande em todo o continente africano. Ele explica que, dos mais de 50 países da África, há 38 em que a homossexualidade ainda é crime e que a existência de penalidades legais por ser gay ou lésbica, cria um ambiente em que a violência, chantagem e discriminação continuam. “A situação é bastante severa na África, especialmente nos países de língua inglesa. Em países lusófonos, Angola e Moçambique especialmente, há muita esperança na construção de uma identidade nacional em que os direitos humanos tenham espaço e que haja diversidade, aceitação e tolerância”.
Aceitação no topo das paradas
A chegada de Titica ao topo das paradas de Luanda representa, contudo, um avanço na aceitação de diferentes sexualidades e Cary Alan Johnson espera que esse sucesso continue e se transforme em bandeira pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT). Ele conhece o trabalho da cantora e diz estar entusiasmado com o seu sucesso. Para o diretor da IGLHRC, o impacto provocado por Titica não vai ficar restrito a Angola e deve repercutir em Moçambique, na Guiné-Bissau e em outros países onde o Kuduro também faz sucesso. “Uma pessoa abertamente transexual a receber a atenção como ela está, é muito impressionante”, sublinha. Em sua opinião, Titica está a abrir portas e derrubar fronteiras no que tange a aceitação e o entendimento de toda a comunidade LGBT.
A expectativa de Johnson e do IGLHRC é que Titica possa ser uma espécie de porta-voz das causas LGBT e, sempre que possível, use o espaço que conquistou para falar da necessidade de proteção e respeito. “Espero que sempre que tenha chance, ela dê um passo a frente, dentro deste seu novo e importante papel no continente africano”, torce. E Titica parece estar empenhada nessa função. Ela sabe o quanto avançou, mas reconhece que não é unanimidade. “Muitos aceitam, mas muitos não, por que esse é um país muito conservador”. Mas ela garante pouco se importar com isso e está mais preocupada em seguir cantando e cumprir sua agenda – a cada dia mais cheia! – de shows nacionais e internacionais. A previsão é de que se apresente em breve nos Estados Unidos, mas antes disso já tem compromissos marcados no Brasil.
Por hora, Titica quer aproveitar o seu momento e seguir nas paradas. Sem esquecer do menino humilde que foi um dia, diz que tem muito a agradecer pelo que vive hoje. “Preciso agradecer primeiro ao meu Deus, a minha família e a vocês os meus fãs que sempre me apoiaram e, se sou Titica, é graças a vocês”, enfatiza. De salto alto, saias curtas e muita purpurina, Titica deve manter o rebolado. Bailarina, menino que virou menina e ícone pop, ela tem tudo para continuar nas paradas por muito tempo.
Autora: Ivana Ebel
Edição: Helena Ferro de Gouveia/António Rocha