Tunísia: Novo regime com dificuldades para vencer desafios económicos e sociais
5 de janeiro de 2012Janeiro de 2011 marcou o princípio do fim de alguns regimes ditatoriais no Norte de África e Médio Oriente. O rastilho foi acendido na Tunísia. O vendedor ambulante Mohammed Bouazizi, imolou-se pelo fogo na cidade de Sidi Bouzid, no centro oeste do país, para protestar contra as autoridades que lhe confiscaram as frutas e legumes, por não possuir a obrigatória licença camarária.
No dia 4 de janeiro, Bouazizi não resistiu às queimaduras e faleceu no hospital. Os tunisinos, chocados e indignados com a prepotência das autoridades, recorreram ao Facebook para divulgarem a notícia, asperamente censurada pelo regime ditatorial do Presidente Ben Ali. Através da rede social multiplicaram os apelos e convocatórias para a realização de manifestações de protesto em todo o país.
Nem emprego, nem crescimento
Ben Ali não resistiu mais do que dez dias. No dia 14, fugiu do país para a Arábia Saudita onde se encontra exilado e protegido pela família real Al-Saud. Riad ignorou até agora os dois pedidos de extradição apresentados pelo governo de Tunis.
Um ano depois da Revolução de Jasmim, precursora da primavera Árabe, qual é a situação politica, económica e social na Tunísia após o derrube da cleptocracia liderada pelo clã Ben Ali?
A Tunísia está confrontada com uma grave crise económica. A taxa de desemprego ronda os 20 por cento e o crescimento, em 2011, deverá quedar-se por modestos 0,5 por cento.
Analistas e observadores árabes e ocidentais concordam que, apesar da liberdade reconquistada, o país está longe de viver um clima de estabilidade política e apaziguamento social. Prova disso foi a prorrogação do estado de emergência até 31 de março.
Jovens: O elo mais fraco
Embora a segurança interna tenha registado assinaláveis melhorias nos últimos meses, com o fim das manifestações populares violentamente reprimidas pela tropa e pela polícia, o quotidiano dos tunisinos é preenchido com greves, bloqueios ou outras ações reivindicativas.
Os salafistas, que atualmente ocupam a Universidade de Tunis, mantêm a exigência de autorização para o uso do niqab, o véu islâmico integral, nas salas de aula.
Desempregados como Kamal, manifestante ferido pela polícia durante o processo revolucionário, está acampado numa das vias de acesso à Assembleia Nacional, em Tunis, para pedir ajuda médica e medicamentosa.
“É algo urgente. Tenho de fazer uma operação nos próximos dias e necessito de ajuda. Todos me dizem, amanhã, amanhã. Mas, por razões de saúde, eu continuo à espera de resposta ao meu pedido”, afirmou.
Com Kamal, mais cinquenta ativistas, estão instalados em tendas erguidas em frente à sede do parlamento tunisino, com o mesmo objetivo – pedir apoio e ajuda aos deputados para a resolução de problemas, como a falta de emprego ou o atraso no pagamento de salários por parte de empresas estatais.
Salários em atraso
Ali, um jovem oriundo de Gafsa, região rica em fosfato, foi para lá há mais de um mês e, juntamente com dois colegas de trabalho naquela bacia mineira, iniciou há três dias uma greve da fome para exigir aos sucessores de Ben Ali "liberdade, trabalho e dignidade".
A bacia de Gafsa está paralisada há meses pelos trabalhadores tunisinos que protestam contra a falta de transparência nos concursos para recrutamento de pessoal. O fosfato é uma das principais riquezas da Tunísia, o quinto maior produtor mundial desta matéria-prima.
Ayan, de 30 anos de idade, apesar de ser um técnico licenciado, continua no desemprego. “O que peço, simplesmente, é que haja um desenvolvimento igual entre todas as regiões e com justiça social”, disse no improvisado acampamento frente à Assembléia Nacional, em Tunes.
Para agravar a situação, os manifestantes impedem os comboios de transportar o fosfato de Gafsa e os habituais compradores estão agora a voltar-se para outras fontes de abastecimento. Por esta razão, a companhia tunisina de fosfatos receia não poder pagar os salários aos trabalhadores num futuro muito próximo.
Chiha Gaha, professor de gestão e colunista no jornal "Le Magreb", considera imperioso que o governo intervenha. “É necessário que o Estado ponha termo a toda esta desordem, mesmo utilizando a força, caso seja necessário. Não se deve hesitar. Aqueles que provocam a desordem e causam prejuízos à economia, não têm o direito de criar obstáculos ao avanço deste país. Eles devem ser presos porque senão será a catástrofe para todos nós”, sublinhou.
Transição lenta e dolorosa
O novo Presidente tunisino Moncef Marzuki disse aos seus concidadãos que para o governo e para os tunisinos a palavra de ordem é "trabalhar, trabalhar, trabalhar", após a cerimónia de tomada de posse do governo de transição, em novembro.
Ivo Sobral, especialista em questões árabes e professor da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, em declarações à agência Lusa, acha que a Tunísia, apesar das presentes dificuldades, é o país em melhores condições para construir uma via alternativa, entre a ditadura e o radicalismo islâmico.
"A Tunísia tem uma série de estruturas políticas e sociais. Existe agora um novo governo que pode demonstrar que o caminho futuro será um modelo “híbrido eficiente", afirmou o investigador, para quem o processo de transição tunisino não demorará menos do que cinco a dez anos.
Autor: António Rocha
Edição: Pedro Varanda de Castro/Nádia Issufo