Ucrânia: Angolanos recomeçam a vida longe da "segunda casa"
2 de maio de 2022Alguns cidadãos angolanos que queriam sair da Ucrânia já se encontram distribuídos por vários países. Angola, Portugal, Alemanha e França têm sido os principais destinos.
A jovem angolana Julieta Mambo Savikia abandonou a cidade de Vinnitsya, no norte da Ucrânia, dois dias depois da guerra começar, a 24 de fevereiro, rumo a Portugal, o país que elegeu como refúgio.
"Nós pensámos que o conflito duraria menos tempo porque sabemos que isto começou em 2014. Seria mais fácil depois sairmos de Portugal para a Ucrânia do que de Angola para Portugal. Também seria mais caro e nós somos uma família de quatro. Já demos entrada dos documentos, estamos a tentar reconhecer os nossos estudos. Se tudo correr bem, podemos continuar mesmo por cá", disse à DW.
Julieta Mambo Savikia encontrava-se a concluir a sua especialidade médica quando foi obrigada a fugir da Ucrânia. Apesar de considerar que em Portugal tem muitas oportunidades de carreira e segurança, não esconde as saudades que sente do país que a acolheu quando se mudou para a Europa em 2011.
"Sinto-me mais segura. Mas é estranho porque foram dez anos na Ucrânia. A Ucrânia é a minha segunda casa. Já estávamos acostumados com a Ucrânia, então temos saudades. Deixámos tanta coisa para trás, tanta pessoas queridas. Sentimo-nos incompletos", referiu.
Regressar a Angola
Manuel de Assunção, presidente da associação dos estudantes angolanos em Dnipro, foi para a Ucrânia há sete anos para estudar arquitetura. Em entrevista à DW, no início do conflito, disse que só abandonaria a Ucrânia quando todos os jovens a seu cargo estivessem em segurança. O jovem deixou o país no início de março, cumprindo o que prometeu.
"Nós tivemos uma dificuldade com o pessoal que estava na cidade de Sumbe. Tivemos lá quatro moças e um rapaz. Nós saímos na sexta, eu fui o último a sair com o último grupo de Kiev, que estiveram no prédio que foi destruído e que apareceu na televisão. Só depois da queda do prédio é que eles decidiram sair. Então estive à espera deles e saímos", relatou.
Manuel de Assunção e o último grupo de Kiev partiram rumo a Angola, a sua pátria. De acordo com o jovem, esta foi, no entanto, uma "má decisão” porque os apoios prometidos pelo Governo de Luanda não passavam afinal de "política".
"Neste momento não temos nenhum apoio. Caímos no esquecimento, quase. Os outros que ficaram em Portugal, na Alemanha, vão sempre dizendo ‘Nós avisámos para não irem, sabem como é que esteve Angola e nada vai mudar'. Tivemos ainda esperança, ao voltar ao nosso país achámos que o cuidado seria mais elevado do que aquele que a Europa está a prestar aos estrangeiros. Podíamos ter tido algum acompanhamento e não tivemos", lamenta.
Continuação dos estudos comprometida
Enquanto Julieta prepara a candidatura ao mestrado em Portugal, que começa já em setembro, Manuel continua à procura de alternativas para concluir os estudos.
"[No caso dos] outros que foram para a Hungria e os que ficaram pela Polónia, na Irlanda, os países estão a dar a possibilidade de eles recomeçarem. Agora em Angola, nem sei como é que eu vou fazer. E era uma situação de mestrado em arquitetura que nós aqui também não temos. Mas estivemos à conversa com o Estado angolano e havia a garantia de que provavelmente podemos mudar de país e o Estado passa a responsabilizar-se por nós. Mas até agora [essa ideia] só ficou em papel e [não há] nenhuma solução", alertou.
O líder estudantil angolano em Dnipro referiu que, embora os angolanos que viviam na Ucrânia estejam agora espalhados pelo mundo, "o contacto e a união mantêm-se". Dos jovens que se encontravam à sua responsabilidade, permanecem na Ucrânia, por escolha, um casal e um rapaz que se juntou às tropas ucranianas para mais tarde obter a cidadania do país.
De acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, já mais de 5,4 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia. Este é o maior número de refugiados desde a II Guerra Mundial.