Kiev controla mil quilómetros quadrados de território russo
12 de agosto de 2024"Continuamos a efetuar operações ofensivas na região de Kursk. Neste momento, controlamos cerca de mil quilómetros quadrados do território da Federação da Rússia", declarou o comandante das Forças Armadas ucranianas, Oleksandre Syrsky, durante uma reunião com o Presidente Volodymyr Zelensky.
Mil quilómetros quadrados é o equivalente à área inteira de São Tomé e Príncipe. No total, as tropas ucranianas controlam 28 localidades onde vivem 2.000 pessoas, disse esta segunda-feira o governador interino da região fronteiriça de Kursk, Alexei Smirnov, acrescentando que cerca de 120 mil civis foram evacuados de áreas próximas à linha da frente.
A ofensiva ucraniana, a mais importante desde a invasão da Ucrânia pelas forças russas em fevereiro de 2022, foi desencadeada na passada terça-feira na região fronteiriça russa e só hoje assumida por Volodymyr Zelensky.
O chefe de Estado ucraniano não adiantou mais detalhes sobre a operação militar em curso, mas sugeriu que a Ucrânia poderá disponibilizar "assistência humanitária" na região.
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, já prometeu uma "resposta firme" à incursão militar ucraniana e disse que deixou de fazer sentido manter conversações com a liderança de Kiev. "Torna-se agora claro que o regime e Kiev recusaram as nossas propostas para o regresso a um plano de acordo pacífico", disse hoje Putin.
Mudança de estratégia?
A Ucrânia pode ter dado um "primeiro passo" para uma mudança de estratégia na sua defesa contra a invasão russa. É assim que Jen Spindel, professora da Universidade de New Hampshire, nos EUA, descreve os desenvolvimentos dos últimos dias em Kursk.
"A Ucrânia não pode continuar a travar esta guerra como tem feito nos últimos dois anos. Simplesmente não tem pessoal nem armas suficientes para o fazer", disse a especialista em política externa e de segurança numa entrevista à DW.
Seria uma mudança "para uma guerra de exaustão em vez de uma guerra de iguais", precisou Spindel, que já tinha defendido a ideia em maio, juntamente com colegas da revista americana Foreign Affairs. A guerra ucraniana deveria tornar-se mais "assimétrica", o que significa não confrontar o Exército russo - em muitos aspetos superior - em campo aberto, mas utilizar tácticas que sejam mais adequadas à força das tropas e ao armamento do Exército ucraniano.
É exatamente isso que parece estar a acontecer agora em Kursk. "A Ucrânia está a mostrar que o território russo já não é intocável e que o está a atacar para distrair as forças russas dos bombardeamentos e da devastação da Ucrânia", diz a especialista.
"Bom para a moral, insignificante para a guerra"
O avanço ucraniano é "o resultado de um planeamento cuidadoso" do lado ucraniano e de um "fracasso total do trabalho de reconhecimento russo", disse à DW o historiador austríaco Markus Reisner, que atribui a Kiev uma "clara vitória no espaço de informação", porque toda a gente está a olhar para Kursk e não para o Donbass, onde o Exército russo está a avançar lentamente para cidades como Chasiv Yar e Pokrovsk.
Já Gustav Gressel, especialista do grupo de reflexão do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR), em Berlim, é mais cético em relação à situação em Kursk.
"É bom para a moral, mas insignificante para a guerra", disse à DW nos primeiros dias do avanço militar ucraniano. "Não há sinais de que a Rússia esteja a destacar forças do Leste para travar o avanço ucraniano", frisou.
Entretanto, surgiram informações não confirmadas de que a Rússia deslocou algumas tropas do nordeste da Ucrânia para Kursk. Mesmo assim, Gressel acredita que "a Rússia é a principal beneficiária de uma extensão da frente para território russo, uma vez que sobrecarrega ainda mais as Forças Armadas ucranianas".
No entanto, os especialistas ouvidos pela DW acreditam que a Ucrânia também pode estar a perseguir outros objetivos com o seu avanço para Kursk. Por exemplo, conseguir uma melhor posição negocial com a Rússia - como Putin também suspeita. Ou para elevar a moral das tropas ucranianas, "que têm estado 'apenas' a defender as suas posições numa guerra esgotante durante um ano e meio", disse à DW o jornalista alemão Winfried Schneider-Deters.
"É possível que a liderança ucraniana queira demonstrar à Rússia, mas sobretudo ao Ocidente, que a Ucrânia não está no fim da sua linha" e "que ainda tem a oportunidade de ganhar a guerra com mais fornecimentos de armas ocidentais", argumenta o especialista.