Ucrânia: "Não sei porque mataram a minha família"
5 de abril de 2022Nas ruas de Busha amontoam-se os escombros. Há roupas espalhadas pelo chão, veículos carbonizados, edifícios em ruínas. Centenas de cadáveres foram encontrados na cidade, nos arredores da capital Kiev, e, entretanto, recolhidos.
As autoridades ucranianas chamaram os jornalistas para documentar o "massacre" em Busha e denunciá-lo ao mundo inteiro.
"Eles disparavam. Incendiaram o barracão, incendiaram tudo", afirmou um residente. "Mataram o meu genro. Colocaram a arma junto à têmpora dele. Foi assim que o mundo russo nos veio libertar. Libertaram-nos de tudo, já não há mais nada aqui."
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, comparou os militares russos aos terroristas do grupo Daesh.
"Não há um único crime que os militares russos não tenham cometido", disse Zelensky. "Mataram todos os que encontraram pelo caminho. Foram torturados, antes de serem mortos. Foram mortos nas ruas, nas suas casas, esmagados pelos tanques enquanto estavam nos carros, mulheres violadas em frente aos filhos. Isso não é diferente do que outros terroristas fizeram, como o Daesh, e isso é feito por um membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas."
Mortes noutras localidades
Ainda não se sabe quantas pessoas morreram ao certo em Busha. As autoridades ucranianas dizem que, até agora, foram contabilizados os cadáveres de mais de 400 civis. Segundo o autarca, 280 corpos foram enterrados em valas comuns porque não podiam ser transportados para cemitérios na linha de fogo.
As forças russas ocuparam Busha até 30 de março. Fotos de satélite, tiradas antes das tropas deixarem a cidade, parecem mostrar cadáveres numa das ruas.
O cenário repete-se na aldeia de Motyzhyn, também nos arredores da capital ucraniana.
"A minha família está ali, naquele buraco. Não sei porque foram mortos. Eram pessoas afáveis, pessoas boas", conta um morador.
Um pouco mais à frente, voluntários exumam os cadáveres e transportam-nos embrulhados em plástico.
Uma mulher conta que sepultou o marido no seu quintal e diz que o seu maior desejo é que haja paz na Ucrânia: "Peço-vos, imploro-vos: por favor, façam alguma coisa. Estou a falar-vos como esposa ucraniana, mãe de dois filhos e avó."
Qual o contexto militar?
Anton Herashchenko, conselheiro do ministro do Interior da Ucrânia, assegurou que o país vai perseguir e julgar os responsáveis.
"Esta escumalha torturou, espancou e assassinou uma família inteira. Vão ser levados à Justiça. Vamos encontrar todos os que cometeram este crime hediondo", afirmou.
As Nações Unidas pediram ao Tribunal Penal Internacional para investigar o que aconteceu em Busha e noutras localidades ucranianas.
Liz Throssel, porta-voz da agência de direitos humanos da ONU, disse que as imagens divulgadas até aqui mostram "todos os sinais" de que civis foram "diretamente visados e assassinados".
De acordo com Throssel, "pode-se argumentar" que um edifício seja bombardeado em contexto militar – e isso deve ser investigado – mas "é difícil perceber qual é o contexto militar quando vemos um indivíduo numa rua com uma bala na cabeça ou corpos a serem incinerados."
O Presidente Volodymyr Zelensky afirmou que o aconteceu em Busha será reconhecido um dia como um "genocídio". A Rússia rejeita as acusações e diz que tudo não passa de uma encenação.
"Perpetradores não podem ficar impunes"
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse estar "profundamente chocado com testemunhos pessoais de violações e violência sexual que agora estão a surgir", e que não esquecerá "as imagens horríveis de civis mortos em Bucha".
Guterres salienta que é preciso "garantir uma efetiva responsabilização" pelo que aconteceu.
A Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal (Eurojust) referiu esta terça-feira (05.04) que já tem vasta informação e "provas sobre alegados crimes de guerra" cometidos pelas tropas russas na Ucrânia.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, frisou que os "perpetradores de crimes hediondos não podem ficar impunes".