Uganda acompanha processo contra Ongwen no TPI
16 de janeiro de 2017A vida em Gulu, no norte do Uganda, voltou à normalidade nos últimos dez anos, desde que o Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês) fugiu para os países vizinhos. Constroem-se e reparam-se estradas, as lojas estão abertas e os serviços bancários estão operacionais.
A guerra e as atrocidades do LRA, conhecido como a milícia mais brutal de África, parecem ser algo do passado. Mas, em Gulu, o julgamento de Dominic Ongwen em Haia, esta segunda-feira (16.01), pode reabrir feridas antigas. Ongwen, um dos primeiros líderes do LRA, é acusado de 70 crimes de guerra e contra a humanidade.
Vítima ou autor dos crimes?
Sentado num banco de escola, ao lado de alguns dos seus alunos, está Alexander Ochen. À semelhança de Ongwen, o professor de 47 anos foi uma das muitas pessoas sequestradas e recrutadas à força pelo LRA, e tornou-se comandante na milícia.
"Alguns foram obrigados a fazer o que fizemos", diz Ochen. Alguém que recusasse cumprir ordens para raptar crianças podia sofrer consequências, acrescenta: "Eu vivi isso na pele. Muitos dos que foram raptados, foram assassinados".
Dominic Ongwen foi recrutado aos 14 anos pela LRA, mas, segundo os procuradores do Tribunal Penal Internacional (TPI), "foi promovido rapidamente pela sua lealdade e ferocidade". Terá então recrutado crianças e conduzido ou ordenado ataques "sistemáticos e generalizados" contra civis. Em dezembro, no início do julgamento em Haia, Ongwen declarou-se, porém, inocente, afirmando ter sido uma das vítimas da milícia.
Apelo ao perdão
Ochen conhece bem Dominic Ongwen e critica o processo a decorrer no TPI: "Sei que é preciso haver justiça, mas o processo envia um sinal errado", afirma. "Sempre rezei para que houvesse uma amnistia e um sistema de justiça comunitária que pusesse as vítimas e os criminosos frente a frente. Isto poderia fazer avançar o processo de reconciliação."
O Governo ugandês concedeu amnistia a milhares de antigos membros do LRA que estão agora a tentar integrar-se na sociedade. Alexander Ochen é um deles.
"Um dia encontrei um rapaz que tinha sido raptado", conta Ochen. "Ele reconheceu-me num mercado. Estava com a mãe, e gritou: 'olha, este é o homem que matou pessoas na nossa aldeia'. Foi duro. Ajoelhei-me para pedir perdão. Na realidade, foi uma unidade de crianças-soldado que eu liderava que queimou pessoas nas suas casas. A mãe do rapaz estava em lágrimas. Perdoou-me e tornámo-nos amigos. Até me ofereceu dois frangos."
No norte do Uganda, muitas pessoas acreditam que um julgamento comunitário poderia contribuir mais para sarar as feridas do que um processo à distância, no Tribunal Penal Internacional.
Esperança numa vida normal
"Não me interesso por este processo", diz Margaret Aciro, mãe de três filhos. Os rebeldes do LRA cortaram-lhe os lábios e o nariz. Hoje em dia, raramente se mostra em público. "Talvez venha a sentir que se fez justiça se receber algum tipo de indemnização, para voltar a ter uma vida normal."
Se Ongwen for condenado em Haia, as vítimas terão direito a indemnizações. Mas isso poderá levar algum tempo.
De acordo com as Nações Unidas, o Exército da Resistência do Senhor massacrou mais de 100 mil pessoas e raptou mais de 60 mil crianças.