Um ginásio para os deputados angolanos em tempos de crise
6 de agosto de 2019Num decreto presidencial, o chefe de Estado angolano autorizou a aquisição do material avaliado em mais de 70 milhões de kwanzas (cerca de 200 mil euros). O contrato será celebrado com a empresa Sistec, S.A.
À semelhança do "Bairro dos Ministérios", com 28 edifícios ministeriais e várias unidades de apoio, o tema do ginásio está a gerar grande polémica em Angola e a intenção do governo está a ser muito criticada.
Em declarações à DW África, Nelito Ekuikui, da bancada da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), diz que o país tem outras prioridades. "Não é oportuno alocar verbas para a construção ou apetrechamento de um ginásio ao nível da Assembleia Nacional. O país tem prioridades e as prioridades do país estão devidamente identificadas", afirma o deputado mais jovem do Parlamento angolano.
Seca ou saúde são "mais urgentes"
Nelito Ekuikui diz que não pretende frequentar o ginásio dos deputados. E aconselha o governo a recuar na sua decisão: "Faço exercício, vou caminhando, correndo pelas estradas que o país tem. O Executivo deve recuar no sentido de alocar essas verbas para um outro fim que é urgente e é imediato."
Segundo o deputado, outro fim seria, por exemplo, a resolução do problema da seca no sul de Angola, nomeadamente no Cunene, no Kuando Kubango e no Namibe. Ou "a resolução da pobreza que é extrema em Angola", lembra.
"A questão do nosso sistema de saúde de uma forma geral. Há prioridades devidamente definidas e acho que não nos devíamos dar ao luxo de identificar pequenas coisas que não acrescentam valor absolutamente algum quer na vida dos deputados quer na vida dos angolanos de um modo geral", critica Nelito Ekuikui.
Angola precisa de deputados musculosos?
Também Jorge Neto, jornalista e diretor do Jornal Manchete, não vê necessidade de o Governo investir num ginásio para deputados angolanos. "Nós precisamos de deputados caenhes (musculosos)? Não. Nós precisamos de deputados que se preocupam com as necessidades daqueles que eles representam na Assembleia Nacional."
Jorge Neto diz que João Lourenço "deve pensar naquilo que está a fazer" e, sobretudo, nos cidadãos. "Os próprios deputados não irão frequentar este ginásio, porque com os salários de luxo que auferem, a maior parte deles têm ginásio em casa. Quem não tem em casa, paga um no bairro onde faz o seu exercício físico", explica.
O jornalista acrescenta que se os valores forem investidos noutro setor da vida social, isso iria minimizar alguns problemas básicos da população: "(Esses) milhões de dólares para o governo liderado pelo João Lourenço podem não parecer nada, mas esses 12 milhões de dólares, investidos nas necessidades básicas dos cidadãos, é muito dinheiro".
País em crise
Angola continua em crise. Os angolanos continuam a mobilizar-se para acudir às populações que sofrem com a seca no sul do país, através da recolha de bens de primeira necessidade. Recentemente, a Rádio Nacional de Angola (RNA) e o Governo Provincial de Luanda levaram a cabo uma campanha e recolha de donativos para milhares de crianças e mulheres que não têm o que comer e beber no Cunene, Namibe e Kuando Kuabango.
Mas é difícil chegar às zonas mais recônditas. "Há dificuldades de acesso, sobretudo das sedes comunais para o interior, porque as estradas não estão em condições. Por isso, optamos por comprar tratores que nos vão resolver o acesso às zonas de maior dificuldade, zonas sem estrada, para podermos lá chegar", diz o governador da província do Cunene, Virgílio Tchova. Além de água, há bens alimentares para entregar às populações nas zonas mais recônditas da província.