Um moçambicano, a reunificação e a xenofobia na Alemanha
3 de outubro de 2018Ibraimo Alberto veio de Charonga, na província de Manica, para a extinta República Democrática da Alemanha (RDA) em 1981, como trabalhador convidado. Aqui, tornou-se pugilista, deputado do Partido Social Democrata (SPD) no parlamento municipal de Schwedt, no leste, e adquiriu a cidadania alemã. Atualmente atua como assistente social numa associação que apoia refugiados.
É uma uma testemunha da história da Alemanha. Ibraimo Alberto assistiu à queda do Muro de Berlim e acompanhou o processo de reunificação da Alemanha. O seu primeiro sentimento, naquela época, foi de felicidade.
"O bom dos direitos teve um grande significado. Mas também, por outro lado, não levou muito tempo, pensando que com a Reunificação mudou. Todos os discos viraram e apareceu o racismo diário. Na RDA estava escondido. Era também perigoso, mas estava mais controlado", descreve.
Racismo na RDA
Ibraimo já conhecia a xenofobia. Paralelamente ao trabalho na Berlim Oriental, o moçambicano tornou-se um pugilista de sucesso na RDA e viajava pelo país a participar em torneios. Mas quando brilhava nos ringues de cidades como Dresden, Magdeburg ou Weimar, os torcedores reagiam com agressões.
"Gritavam: 'Tem medo desse macaco? Você não pode ser vencido por esse macaco. Não seja vencido por esse macaco. O macaco só tem a força onde tem árvores, lá na África, de onde ele vem," recorda.
Esses acontecimentos ficam pequenos quando comparados a outras situações de racismo que Ibraimo presenciou. A pior delas, afirma, foi a morte do também moçambicano António Manuel Diogo, há 32 anos.
"Amarram os pés e abrem as portas do comboio - eram portas que a pessoa poderia abrir. Deixaram o corpo no chão e para as rodas do comboio começarem a mastigar os pés, de pedaço em pedaço. Espedaçaram o corpo dele. Nem sei como contar. Isso é o racismo mais pesado que eu sobrevivi naqueles tempos", afirma Ibraimo.
Xenofobia após a reunificação
Depois da Reunificação, a violência racial não teve fim, diz Ibraimo. "Morriam pessoas que eram vistas como estrangeiros, eram abatidas na rua, no dia-a-dia. Eram abatidos na rua, empurrados, insultados, não eram servidos nos restaurantes. Aquilo já estava a piorar mesmo. A situação foi cada vez mais caótica", avalia.
Ibraimo viveu também na cidade de Schwedt, no leste. Lá, tornou-se deputado municipal. O seu objetivo principal era combater as ideias do Partido Nacional-Democrático da Alemanha (NPD).
"Eu vi que os racistas estavam já ganhando cada vez mais e faziam cada vez mais o que faziam. Então eu conseguia enfrentá-los, discutir com eles. Tentava sempre reagir, procurar um ponto da maioria para travar os problemas", conta.
Situação atual
Nos últimos anos, a xenofobia ganhou ainda mais espaço na política, com a entrada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), no Parlamento alemão. Ibraimo Alberto vê esses desenvolvimentos com preocupação. "A AfD ganha as eleições porque as pessoas estão zangadas com tudo, porque o próprio Governo, que está no poder, não está a fazer nada," considera.
Em 2008, Ibraimo Alberto foi distinguido Mensageiro para Democracia e Tolerância. Um reconhecimento por sua exemplar integração na sociedade alemã. Atualmente, trabalha como assistente social numa associação que apoia refugiados. Para os que chegam, dá sempre o mesmo conselho.
"A pessoa tem que ser muito paciente, ser tolerante e ter uma participação clara. É muito importante mostrar 'eu trouxe isso mais aquilo, mas quero aprender de você isso e aquilo," sugere.
Pelo caminho do diálogo, o moçambicano acredita ser possível vencer a xenofobia e promover a convivência em harmonia.
Ibraimo conta sua trajetória no livro "Ich Wollte Leben Wie Die Götter" - em português "Eu Queria Viver Como os Deuses" - lançado em 2014, em alemão.