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Vladimir Putin rumo à "Presidência para a vida"?

mjp | kg | com agências
2 de julho de 2020

Os russos aprovaram uma ampla revisão constitucional que permite a Vladimir Putin candidatar-se a mais dois mandatos. Oposição, União Europeia e Estados Unidos condenam referendo marcado por irregularidades.

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Foto: Y.Lapikova/AFP/GettyImages

Os russos votaram e o Presidente agradece: Vladimir Putin vê como um sinal de "apoio e confiança" a votação de quarta-feira (01.07) que validou a maior mudança constitucional da história da Rússia e que permite a sua permanência no poder até 2036.

"Quero agradecer aos cidadãos russos. Muito obrigado pelo vosso apoio e a vossa confiança", declarou o Presidente russo numa intervenção pela televisão, esta quinta-feira, garantindo que a reforma permitirá "uma estabilidade interna e tempo para reforçar o país e todas as suas instituições".

78% dos eleitores disseram "sim" às medidas propostas pelo Governo que ampliam os poderes do chefe de Estado. Um resultado que surpreendeu até a presidente da Comissão Eleitoral russa, Ella Pamfílova: "É um número considerável, especialmente nestas circunstâncias em que algumas pessoas têm medo de sair de casa". Pela primeira vez, os russos tiveram sete dias para votar. A medida inédita foi introduzida para incentivar a ida às urnas, dados os riscos associados à realização de uma eleição durante a pandemia de Covid-19.

Com as alterações constitucionais, o Presidente russo cria uma exceção que lhe permite candidatar-se novamente a mais dois mandatos de seis anos cada. Ou seja, poderá concorrer em 2024 e 2030 e permanecer na Presidência até 2036, quando completa 84 anos de idade. 

Denúncias e preocupações

O Kremlin está satisfeito, Bruxelas e Washington nem tanto. A União Europeia já pediu à Rússia que investigue as irregularidades denunciadas no referendo constitucional - com um "número recorde de votos falsificados" e um resultado que "não tem nada a ver com a opinião" dos russos, segundo o opositor russo Alexei Navalny. Para a oposição, a votação "ilegítima" foi desenhada para legalizar a "Presidência para a vida" de Vladimir Putin. 

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Os Estados Unidos, diz a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano Morgan Ortagus, também estão "preocupados com os relatos de esforços do Governo russo para manipular os resultados [...], incluindo relatos de coerção sobre eleitores, pressão sobre os opositores das emendas e constrangimentos ao trabalho dos observadores independentes".

A organização não-governamental Golos, especializada na observação de eleições, recebeu mais de 2.100 denúncias de violações e fala num exemplo "sem precedentes" de atentado à soberania do povo russo.

Entretanto, a presidente da Comissão Eleitoral Central, Ella Pamfilova, considera que não há "qualquer dúvida de que a votação é válida e legítima".

Poder reforçado mesmo sem nova candidatura

O Parlamento russo já tinha aprovado as emendas constitucionais, mas Vladimir Putin disse que só entrariam em vigor se tivessem o apoio da maioria dos eleitores. No entanto, o novo texto da Constituição - com as suas 206 emendas -  já estava à venda nas livrarias nas vésperas do referendo.

A nova redação inclui alterações como o estabelecimento da crença em Deus como um valor central do Estado russo, a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a prevalência da Lei Básica nacional sobre leis internacionais.

Para Putin, a revisão constitucional conduzirá "à melhoria do sistema político e à consolidação das garantias sociais", ao "reforço da soberania e da integridade territorial" e que inclui "os valores espirituais, históricos e morais" da Rússia. No discurso de agradecimento à população, o líder do Kremlin não se referiu, no entanto, às emendas que podem permitir que se apresente a duas novas eleições presidenciais após a conclusão do seu atual mandato em 2024.

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Ainda assim, segundo vários analistas, mesmo que opte por não se candidatar a um novo mandato presidencial dentro de quatro anos, esta reforma permitirá a Putin preservar a sua influência e perenizar o sistema que ergueu durante os seus 20 anos no poder, como primeiro-ministro e Presidente.

Opinião pública dividida

No rescaldo do referendo, enquanto alguns russos estão certos de que Vladimir Putin vai tentar manter-se no poder o máximo de tempo possível, outros acreditam que abandona a Presidência em 2024, preferindo deixar as opções em aberto - por via das dúvidas.

"Ele ainda pode surpreender-nos a todos", diz Abdulmadid Luluev, líder de uma organização nacional ambiental para a Chechénia, na região do Cáucaso, acrescentando que Putin pode recusar recandidatar-se, dependendo da evolução da situação.

Também Evgeniy Somov, membro de uma organização patriótica na região de Udmúrtia, considera que Putin não vai necessariamente manter-se no poder até 2036 e descreve o voto como uma "rede de segurança", em caso de não surgir ninguém capaz de o substituir: "Governar este país é muito difícil e aparentemente não há ainda um sucessor adequado", afirma.

Para outros, no entanto, não há dúvidas: o Presidente vai ficar por muitos anos no Kremlin. "É claro para todos que Putin vai candidatar-se outra vez até 2036. Foi um esquema, como sempre", acredita Vyacheslav, um reformado residente na cidade de Belgorod.