Zambézia: Governo pressiona vítimas do ciclone Freddy
23 de março de 2023As vítimas do ciclone Freddy que estão acomodadas em escolas têm até ao final da sexta-feira (24.03) para saírem desses locais. Foi o prazo dado pelo governo da Zambézia, para que as aulas possam reiniciar na próxima semana.
As organizações da sociedade civil e os parceiros de cooperação não concordam com este prazo, porque será preciso mais tempo para retirar as famílias dos centros de acolhimento e reorganizá-las noutros sítios.
O Governo continua a negociar com os parceiros para possibilitar o regresso às aulas já na segunda-feira, embora, segundo Fernando Namucua, diretor provincial de Agricultura e Pesca, seja preciso proceder com cautela.
"Isso tem de ser feito de forma muito discreta e com inteligência para não se criar uma avalanche de pessoas atrás de lonas e tendas," alerta.
Namucua enumera ainda medidas que considera necessárias: "É preciso envolver as estruturas locais para fazer uma aferição. Se efetivamente aquela pessoa perdeu a casa, tem de haver gente para testemunhar. E era importante que nós tivéssemos o domínio da composição deste kit".
Regresso às aulas ou acolhimento?
Depois da passagem do ciclone Freddy, no final de fevereiro e início de março, cerca de 59 mil pessoas estão em centros de acolhimento, distribuídos por cinco províncias. 30 mil casas precárias ficaram destruídas e mais 40 mil sofreram danos.
A secretária de Estado da província da Zambézia, Cristina Mafumo, insiste, porém, que é fundamental retomar as aulas na próxima segunda-feira, porque as crianças devem estudar: "O setor da Educação já trabalhou com os diretores ou gestores das escolas para fazermos, nos próximos momentos, a desinfeção das escolas," revela.
Segundo a responsável, há condições para a distribuição de kits de abrigo e alimentação para os mais carenciados.
"Estamos a fazer um trabalho de levantamento para que estas pessoas todas dos centros de acomodação, até sexta-feira, possam ter o seu kit de retorno e voltar às zonas de origem."
Para outras pessoas, que ficaram sem casas ou que vivem em zonas ainda sem condições, também há uma solução, garante a secretária de Estado: "Aqui em Quelimane já temos um bairro de reassentamento".
Decisão precoce
O analista social e historiador Bruno Mendiante avisa que é demasiado cedo para realojar as pessoas nos centros de acolhimento, sobretudo na cidade de Quelimane, onde os estragos pelo ciclone foram maiores: "O que eu vejo nesta decisão é uma atitude maquiavélica", comenta.
"Fala-se na distribuição dos kits e há essa orientação para as pessoas abandonarem os locais de acomodação, pelo menos as escolas. Hoje já é quinta-feira. Quem é que já recebeu o kit de construção? Quem é que, com base nestes kits, já ergueu alguma coisa em sua casa? É possível fazer-se isso em um dia?"
A resposta clara é não, diz Bruno Mendiante.
O segundo aspeto a ter em consideração, acrescenta o historiador, é que há muitas crianças que ainda não têm condições para regressar à escola: "Essas pessoas que têm de ir às aulas são esses alunos que estão lá mesmo na escola como reassentados".
"Nós temos de ser sérios e não devemos tentar tapar o sol com a peneira, porque isso nos vai prejudicar mais do que ajudar", critica.
Algumas escolas secundárias em Quelimane, como a Patrice Lumumba, estão a mobilizar alunos e professores que têm domínio de carpintaria e construção para ajudar a reconstruir as salas destruídas pelo ciclone Freddy.
O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD) anunciou, entretanto, que só tem no seu armazém produtos para suportar a necessidade das populações afetadas pelo ciclone por um período de seis dias. O país pediu ajuda aos parceiros. O INGD disse, na semana passada, que precisa de mais de 105 milhões de euros para ajudar as pessoas afetadas pelas intempéries.