É o princípio do fim da IURD em Angola?
21 de agosto de 2020Completa esta sexta-feira (21.08), uma semana desde que a Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR), ordenou o encerramento de alguns templos da Igreja Universar do Reino de Deus (IURD) em Luanda, devido à "guerra” que contrapõe pastores angolanos e brasileiros.
Segundo um comunicado da PGR, apreensão destes bens resulta "do facto de existirem nos autos indícios bastantes da prática dos crimes de associação criminosa, fraude fiscal, exportações ilícitas de capitais, abuso de confiança entre outros.”
Os bens estarão apreendidos até o desfecho do processo. As partes envolvidas negam-se a prestar qualquer declaração à DW África.
No entanto, muitos analistas entendem que o caso da IURD não vai azedar as relações entre Angola e Brasil, apesar de o assunto ter atingido a dimensão política nos dois estados.
Mas Nkikinamo Tussamba, especialista em questões internacionais, pensa que o desfecho judicial poderá beliscar as relações entre os dois Estados.
"Se realmente a PGR concluir que a parte brasileira cometeu alguns crimes, essa decisão pode não ser bem encarada no Estado brasileiro", diz.
A influência da IURD no Brasil
E analista recorda que "a igreja universal desempenha um papel fundamental no território brasileiro, até mesmo uma influencia de forma direta junto do Presidente Jair Bolsonaro. Não é à toa que Jair Bolsonaro escreveu uma carta ao presidente João Lourenço”.
Na última segunda-feira (17.08), o Bureau Político do MPLA, partido no poder, analisou a crise interna da IURD em Angola tendo "encorajado as autoridades angolanas ao cumprimento rigoroso da lei na defesa da soberania nacional”.
Questionado sobre se estava diante de um princípio do fim da IURD em Angola, à semelhança de outros países, Nkikinamo Tussamba respondeu: "Eu compreendo que seria precipitado se respondesse que sim, que este problema possa ser determinante para o fim da igreja universal aqui em Angola".
E Tussamba lembra que "o problema da IURD não é de hoje, é um problema que data já há vários anos. E como consequência, nós perdemos dez cidadãos angolanos aquando da vigília da cidadela”.
A vigília do estádio da Cidadela, denominada "Dia do fim”, ocorreu a 31 de dezembro de 2012. Na altura seis líderes da igreja foram levados à justiça por crimes de homicídio voluntário que resultaram na morte de seis adultos e quatro crianças por asfixia e esmagamento.
IURD viola lei de liberdade de religião e de culto
Celestino Nobre Mutunda, jurista e professor de direito eclesiástico da Universidade Católica de Angola, diz que a igreja universal conquistou fiéis devido a uma lacuna existente em Angola.
"A igreja universal encontrou um tecido social muito fraco por diversas razões. Em primeiro lugar é a questão da debilidade mental e emocional das pessoas ligada ao fator da educação e da própria instrução e das próprias instituições sociais, em primeiro lugar a família e as instituições do Estado que devem corresponder aquelas que são as principais necessidades básicas”, enumera o académico.
Este jurista diz que, para além dos fiéis que vão em busca de soluções emocionais e de saúde, também há os pastores que encontram na confissão religiosa um meio para o alcance de bens materiais.
Para Mutunda, o problema que se vive na igreja universal não é, especificamente de fórum teológico e separa o trigo do joio: "Aliás, porque em momento algum se levantou a questão de interpretações teológicas etc. Ali levantou-se mais a questão ligada à liderança”.
Celestino Nobre Mutunda diz ainda que as práticas da IURD em Angola violaram a lei 12/19, de 14 de Maio – lei sobre a liberdade de religião e de culto apontando como exemplo a práctica da vasetomia.
"O Estado tem interesse em defender a ordem pública"
Contudo, entende que o encerramento dos templos ainda não é o fim da IURD em Angola.
"No processo penal é uma medida no sentido de evitar que, de qualquer forma, sejam manipuladas as provas. Mas não nos restam dúvidas de que a igreja universal violou profundamente direitos fundamentais", esclarece.
Por isso, conclui o académico, houve a necessidade de o Estado intervir no exercício da atividade religiosa.
"O Estado tem interesse em defender a ordem pública. A ordem pública, repito, é o equilíbrio entre os interesses privados e os interesses colectivos. O Estado não tem interesse a que os seus cidadãos não procriem”, conclui.