À CPI, ex-coordenadora critica postura de Bolsonaro
8 de julho de 2021Em depoimento à CPI da Pandemia nesta quinta-feira (08/07), a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Francieli Fontana Fantinato criticou a falta de vacinas e de campanhas publicitárias sobre vacinação e disse que deixou o cargo por causa da "politização" em relação à vacinação "por meio do líder da nação", em uma referência ao presidente Jair Bolsonaro, que regularmente divulga falas que desencorajam o uso de vacinas ou alimenta paranoia sobre os imunizantes.
Aos senadores, Fantinato descreveu que seu departamento não era ouvido sobre decisões como a adesão ao consórcio Covax, e que sugestões sobre a organização dos grupos prioritários eram ignoradas pela cúpula da pasta, dominada por militares.
"Trabalhei incansavelmente 24 horas por dia, sete dias por semana para vacinar a população brasileira. Bem, senhoras e senhores, para um programa de vacinação ter sucesso, é simples. É necessário ter vacinas, e é necessário ter campanha publicitária efetiva. Eu não tive nenhum dos dois", disse. "Pela politização do assunto em relação à vacinação, decidi seguir meus planos pessoais", disse a ex-coordenadora sobre sua saída do PNI, que foi oficializada na quarta-feira.
Fantinato também indicou que falas do presidente Jair Bolsonaro contra vacinas atrapalharam a efetividade da campanha de vacinação. "É uma opinião pessoal, eu enquanto coordenadora preciso de apoio que seja favorável a fala. Quando ele [Jair Bolsonaro] não fala favorável isso pode trazer prejuízo", disse. "Eu não saí pela pressão da CPI. Eu saí por todo o cenário."
A ex-coordenadora se negou a prestar juramento de que falaria a verdade na comissão durante o início dos trabalhos, por orientação de seu advogado – provavelmente como reflexo da decisão do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), de dar voz de prisão ao ex-diretor de Logística da Saúde Roberto Dias, no dia anterior. Apesar desse início tortuoso, Fantinato arrancou elogios dos senadores independentes e da oposição por suas falas e a descrição de suas atividades. Servidora de carreira, ela trabalha no Ministério da Saúde desde 2014 e passou a ocupar o cargo de coordenadora do PNI em outubro de 2019.
O papel do coronel Elcio Franco
Fantinato também lançou luz sobre o papel do coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e que atuava como braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello. Franco, um coronel que permaneceu no Exército até 2019 e que, assim como o general Pazuello, tinha experiência mínima em assuntos de saúde, está no centro de vários escândalos na gestão da pasta, incluindo transações suspeitas para a compra de imunizantes e a promoção da cloroquina.
Fantinato relatou, por exemplo, que seu departamento não foi ouvido nas negociações para a adesão do Brasil ao consórcio de vacinas Covax Facility, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo Jair Bolsonaro aderiu apenas à cobertura mínima de vacinas oferecidas pelo consórcio, suficiente para atender somente 10% da população, quando as regras do grupo permitiam até 50%.
Ela contou que o coronel Franco justificou a decisão pela cobertura mínima afirmando que "não poderia colocar todos os ovos na mesma cesta". No seu depoimento à CPI em 9 de junho, Franco afirmou que as decisões sobre a Covax foram tomadas em conjunto com a área técnica do ministério – uma declaração que entra em choque com o que foi relatado pela ex-coordenadora Fantinato.
"A CPI descobre que a gestão era mais Elcio que Pazuello. Ele deve ser o primeiro indiciado. A mando de quem estava matando gente?", afirmou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele também disse que Franco parece ser uma espécie de "Eichmann" brasileiro, em referência ao nazista Adolf Eichmann (1906-1962), que se tornou uma espécie de síntese do burocrata que comete atrocidades e é incapaz de reconhecer o impacto de seus atos.
Fantinato ainda relatou que pressões da cúpula da pasta para incluir cada vez mais grupos prioritários no plano atrapalharam a campanha de vacinação. "Sofrer pressão de todos os segmentos para entrada de grupos trouxe dificuldades para a campanha. Se tivesse vacina suficiente, não precisaria dessa fragmentação", disse.
Fantinato relatou que o próprio coronel Franco exigiu a retirada da população carcerária dos grupos prioritários da lista. Ela disse ter sido contra, e que se o coronel fosse em frente, teria que fazer isso sem o apoio do PNI. Fantinato contou que a inclusão de presos nos grupos prioritários levava em conta a superpopulação de présidios e o ambiente propício à disseminação de doenças. "Quem pediu para tirar o grupo de população privada de liberdade foi o coronel Elcio. (...) Eu me neguei. Se vocês quiserem, vão tirar sem o aval do programa [PNI]", disse Fantinato.
Nesse momento, o senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES) fez uma provocação para tumultuar a sessão. "Mas não tem que ter prioridade. O preso já está em isolamento", disse. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reagiu: "Não acredito que eu estou ouvindo uma asneira dessa." Os dois bateram boca.
Covaxin
Fantinato também falou sobre a aquisição da Covaxin. Ela contou que seu departamento também não participou das negociações, mas que ela avaliou que seria vantajoso comprar a vacina indiana, diante da falta crônica de imunizantes no Brasil. No entanto, durante o depoimento ela leu uma nota técnica do Ministério da Saúde que alertava ser necessário que o fabricante enviasse mais dados sobre segurança, eficácia, e potencial contra novas variantes. O documento foi encaminhado em 17 de fevereiro. O governo fechou o contrato oito dias depois, apenas com dados preliminares sobre eficácia e segurança.
A compra da Covaxin é um dos principais alvos da CPI. Ao colegiado, os irmãos Miranda – o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda – descreveram que houve pressão do alto escalão da pasta para que o negócio fosse aprovado. Os irmãos também relataram que alertaram o presidente Jair Bolsonaro sobre aspectos suspeitos do negócio. O presidente, segundo o relato, disse que mandaria investigar o assunto, mas nada foi feito.
Mesmo antes de entrar no radar da CPI, a vacina indiana já levantava questionamentos por causa do seu preço (15 dólares, a mais cara de todas as vacinas compradas pelo Brasil), a velocidade com que o governo fechou o negócio (em contraste com outros laboratórios, como a Pfizer), a falta de aval da Anvisa (Bolsonaro afirmou em 2020 que não compraria vacinas não autorizadas pela agência) e pelo fato de a compra não ter sido feita diretamente com a fabricante, mas com uma empresa intermediária, a Precisa.
As negociações para aquisição da Covaxin também são investigadas pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União. Na sexta-feira passada, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou ainda a abertura de um inquérito contra Bolsonaro para investigar se ele cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias sobre as negociações de compra da Covaxin.
No meio da sessão, diante das falas de Fantinato, os senadores da CPI decidiram retirar a ex-coordenadora da condição de investigada perante o colegiado. Ela passou a ser testemunha.
Aziz reage a ataques de Bolsonaro
Durante a sessão, o presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a cúpula da comissão vai enviar uma carta a Jair Bolsonaro, questionando se o deputado Luis Miranda estava falando a verdade quando mencionou ter relatado ao presidente irregularidades. O deputado Miranda também afirmou em seu depoimento que Bolsonaro teria dito na ocasião que a Covaxin era um "rolo" do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
"É só uma resposta, senhor presidente. Por favor, diga para a gente que o deputado Luis Miranda é mentiroso, diga para a nação brasileira que seu líder na Câmara é um homem honesto", disse Aziz.
Durante a sessão, Aziz também respondeu a ataques que o presidente fez nesta manhã ao presidente da CPI durante um encontro com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que Aziz "desviou 260 milhões de reais".
"Eu nunca te chamei de genocida, nunca o chamei de ladrão, nunca disse que o senhor fazia rachadinha no seu gabinete", disse Aziz em reposta a Bolsonaro. "E o senhor vai para o cercadinho onde devem ficar pessoas que não têm conteúdo para debater a crise nacional", completou.
Na quarta-feira, Aziz já havia sido alvo de uma nota agressiva divulgada pelo Ministério da Defesa e a cúpula das Forças Armadas por ter mencionado "membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua".
Nos últimos dias, diante do aumento da pressão exercida pela CPI e sucessivos escândalos na gestão da pandemia, Bolsonaro tem lançado mão de factoides e outras táticas diversionistas para manter sua base mobilizada e tirar o foco dos problemas na Saúde. Nesta quarta-feira, por exemplo, ele fez novos ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas e disse "ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições".