1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Democracia e paixão

Omid Nouripour (av)18 de setembro de 2007

A democracia tem que ser defendida dia-a-dia e não apenas pelos partidos, crê o deputado verde nascido no Irã Omid Nouripour. Também o cidadão deve agir, pois a democracia não é "óbvia".

https://p.dw.com/p/Bgog
Omid Nouripour, MdB, Bündnis 90/Die Grünen
Omid NouripourFoto: Bundestagsfraktion Bündnis 90/Die Grünen

"O que é que há com os nossos partidos?" Na qualidade de deputado, ouço esta pergunta com freqüência cada vez maior. "Você acha que os partidos ainda representam o povo, que sabem o que incomoda cidadãs e cidadãos?", continua o questionamento. E logo a discussão gira em torno do tão anunciado "fim da democracia partidária".

De fato: os partidos não cuidam do cidadão como deveriam. E este não cuida o suficiente de sua democracia. Por um lado, não se deve deixar passar assim tão fácil o estereótipo, segundo o qual – simplificando – partidos e políticos seriam os principais responsáveis pelo atual estado de calamidade na política. Por outro lado, também os cidadãos têm uma certa responsabilidade em relação à democracia. "O Estado e a política que dêem um jeito": tão simples assim não funciona a democracia.

Aos 32 anos, sou um alemão relativamente jovem, que passou os primeiros 13 anos de sua vida no Irã. Um país onde absolutamente nada daquilo que nos parece tão infinitamente óbvio, hoje, na Alemanha, era ou é óbvio: liberdade de opinião, de imprensa, Estado de direito e, não menos importante, o direito a eleições livres. Entretanto, aqui tais coisas parecem óbvias. E, infelizmente, o que seria óbvio se torna indiferente.

Democratas cansados?

"Que indiferença, que nada", dirão talvez alguns. "Somos todos democratas convictos, mas não precisamos agir como se a democracia tivesse que ser reinventada a cada dia." Têm razão. Contudo, existem situações extremas, onde a democracia não tem que ser diariamente reinventada, mas sim sempre novamente defendida. Por exemplo, diante das repetidas notícias de ataques da extrema direita contra pessoas estrangeiras ou de aparência estrangeira, ataques "tolerados" – numa formulação branda – pelas pessoas presentes.

Ao dar plena liberdade aos extremistas de direita, não estamos simplesmente desviando o olhar e abrindo mão de qualquer forma de solidariedade humana e coragem civil. No fim das contas, colocamos também à disposição nossas liberdades e direitos democráticos, pois a ideologia de extrema direita se baseia na arbitrariedade, ódio e violência. Hoje, contra os que têm uma aparência diferente, amanhã contra os que simplesmente querem dizer o que pensam.

Porém também em situações menos extremas sinto falta de engajamento em prol dos valores democráticos. Como, por exemplo, quando o atual governo federal cerceia cada vez mais os direitos civis e pretende farejar a privacidade dos cidadãos. Até agora, não escutei os brados de protesto dos democratas convictos quando se trata, por exemplo, das restrições à proteção de dados que acarreta armazenamento dos dados de passageiros aéreos; ou das buscas online em computadores caseiros – anunciadas com alarde assustador –; ou de direitos insuficientes para as minorias.

Muito já se usou, mas pouco se escutou, nas atuais discussões, a frase de Benjamin Franklin: "Quem desiste da liberdade em nome da segurança acabará perdendo ambas". Apesar disso, a democracia só funciona com um bom equilíbrio entre liberdade e segurança. Assim, no meu entender, faz parte de uma democracia em funcionamento que seus cidadãos não se cansem de defender os valores e liberdades democráticos. Um pouco mais de paixão pela democracia faria bem.

Frustração com os partidos

Via de regra, os partidos são considerados a origem última de todo mal-estar com a política e a democracia. Eles não têm mais credibilidade (quer dizer, então, que alguma vez já a tiveram?). Prometem muito e cumprem pouco. Não estão aptos a solucionar os problemas que temos diante de nós.

Seu trabalho serve sobretudo aos próprios interesses ou àqueles injetados pelos lobistas. Seu pessoal está à caça de poder e símbolos de status (como no caso dos tão citados carros oficiais) e se enriquece inescrupulosamente à custa dos contribuintes, através de aumentos salariais regulares.

Este quadro já existe há algum tempo. Em face dos escândalos que constantemente vêm à tona (basta lembrar o caso das doações partidárias da União Democrata Cristã, e a conseqüente desilusão com as práticas do então chefe de governo Helmut Kohl, que alguns acreditavam ser "quase eterno") fica difícil se contrapor à avaliação corrente a respeito dos políticos e dos partidos.

Siga lendo o comentário do deputado da Aliança 90 / Os Verdes Omid Nouripour

Credibilidade perdida

Engana-se quem afirma que política seja um negócio como qualquer outro: os políticos têm tanto uma responsabilidade quanto um dever especial para com a integridade e a autonomia. Os cidadãos têm direito a seu "deputado transparente", do qual podem saber quanto ganha e de onde vem seu dinheiro. Todo político sabe que não pode exigir absoluta idoneidade fiscal dos cidadãos, porém ele mesmo – geralmente bem assessorado – aproveita cada lacuna que se oferece, ou que ele próprio criou.

A credibilidade também sofre quando escândalos são revelados mas não se vêem as conseqüências, ou quando "espertalhão" passa a ser a marca registrada dos políticos. Roland Koch – o "investigador implacável" com envolvimento muito duvidoso no escândalo das doações da CDU – continua sendo governador do estado de Hessen. Franz-Josef Jung, seu então chefe de chancelaria estadual e secretário-geral democrata-cristão, é hoje ministro da Defesa. Isso não apenas frustra: é escandaloso.

Peritos ao leme?

Mas, então, quem é que vai dar um jeito? Quando se fala da "falência dos partidos", ouve-se muitas vezes a exigência de que especialistas substituam os políticos afiliados. Afinal de contas, consta que eles sejam objetivos e deveriam saber o que é realmente necessário. Partidos, em contrapartida, são subjetivos. Entretanto, quanta objetividade pode suportar a democracia?

Partidos produzem opiniões, avaliações diversas, interpretações e conclusões sobre os fatos e processos correntes. Não fornecem "verdades", muito embora gostem de agir como se este fosse o caso. O pluralismo democrático se baseia numa diversidade de opiniões e avaliações mais ou menos subjetivas, a partir da qual os cidadãos podem fazer sua escolha. Pode-se discutir, é claro, até que ponto os partidos cumprem esta função atualmente.

Se apenas peritos fizerem política, súbito o "objetivamente certo" se torna o centro da política, e o conhecimento a respeito será privilégio de uma pequena elite de iniciados. A democracia se transformaria numa "espertocracia", ainda menos transparente para os cidadãos e muito menos influenciável por eles.

Sistema dinâmico

Portanto: democracia sem partidos é impensável para mim. Contudo, a democracia também ultrapassa o conceito de partido. Ter a democracia para si só pode ser o sonho secreto de certos estrategistas de partido, mas tal não ocorrerá. Até porque o nosso sistema partidário não é estático – as mudanças sociais também se refletem na paisagem das agremiações. Isto se aplica ao atual enfraquecimento dos partidos populares e ao acréscimo dos parlamentos formados por cinco partidos.

Do meu ponto de vista, hoje em dia a questão é, sobretudo, fortalecer a consciência quanto às liberdades e valorrres democráticos, tanto dentro dos partidos como da sociedade. Se conseguirmos isto, e as agremiações se mostrarem mais abertas para novas idéias e adeptos, quem sabe um ou outro democrata cansado desperte novamente e a base dos partidos também seja reforçada.

Omid Nouripour, 32, nasceu em Teerã e é deputado do Bundestag pela Aliança 90 / Os Verdes.