1830: A Bélgica torna-se independente
O Teatro de la Monnaie, em Bruxelas, estava inteiramente lotado na noite de uma quarta-feira, em agosto de 1830. Estava em cartaz A Muda de Portici, uma ópera muito popular na época, de autoria do compositor francês Daniel François Auber. O enredo da obra é a rebelião dos napolitanos contra os espanhóis. O entusiasmo do público belga era total.
Revolução em palco
Quando o tenor entoou a ária da liberdade, o público invadiu primeiro o palco, depois saiu pelas ruas. Teve início a revolução, deflagrada pela ópera. Ela já podia ser pressentida antes, através das pichações feitas em Bruxelas.
O ano de 1830 foi um ano de muita intranqüilidade na Europa: as resoluções do Congresso de Viena, em 1815, eram tidas como insuportáveis. Na conferência pós-napoleônica, a Europa foi reestruturada, sem qualquer sensibilidade e sem respeito pelas características nacionais.
Surgiram rebeliões em todas as partes – na Polônia, na Alemanha, na Itália. Na França, a Revolução de Julho chegou até mesmo a derrubar o rei Carlos X, substituindo-o por um rei burguês.
Com colchões e tudo
A rebelião na Bélgica transformaria inteiramente o país. A ira dos belgas voltou-se contra o rei holandês Guilherme I. O Congresso de Viena confirmara a união das 17 províncias holandesas do reino de Borgonha. Com isto, a Bélgica foi anexada ao reino dos Países Baixos.
Durante muito tempo, Guilherme I tinha subestimado o descontentamento no sul do seu país. As más colheitas e o aumento drástico dos preços de alimentos não foram os únicos fatores que deflagraram a insurreição. As pessoas em Bruxelas e seus arredores eram obrigadas, por exemplo, a aceitar o holandês como única língua oficial.
A insatisfação contra todas as determinações partidas da distante Haia teve vazão após a apresentação da ópera. Até tarde da noite, foram depredadas e incendiadas as casas dos ministros e outros adeptos do rei holandês. Quatro semanas depois, Guilherme I enviou um exército de dez mil soldados para Bruxelas. À sua frente, o príncipe Frederik, filho do rei.
Sua missão fora claramente determinada: restabelecer a paz e a ordem. Quando as tropas reais entraram na cidade, no dia 23 de setembro, foram recebidas por uma saraivadas de balas de fuzil, pedras, panelas e até colchões. As tropas conseguiram avançar até o parque defronte o castelo real. Ali, porém, as barricadas defendidas com enorme empenho impediram todo novo avanço.
Após quatro dias, que custaram mais de 500 vidas em ambos os lados, os soldados holandeses retiraram-se, vencidos, de Bruxelas. Os revolucionários vitoriosos constituíram então um governo provisório. No dia 4 de outubro de 1830, proclamaram a independência da Bélgica.
Novos monarcas
Quais foram os verdadeiros motivos para um caminho tão rápido à independência? Uma imitação irada do enredo de uma ópera e uma batalha com balas e colchões não teriam sido suficientes, com certeza, para conquistar a independência da Bélgica. Os revolucionários de Bruxelas foram beneficiados pelo fato de que quase todos os monarcas absolutistas na Europa estavam preocupados com a própria situação, em conseqüência da Revolução de Julho em Paris. As insurreições tinham de ser sufocadas nas próprias províncias: os primos holandeses não podiam prestar grande ajuda.
Após a independência, seguiu-se a eleição de uma assembléia constituinte nacional. A Bélgica foi transformada de um Estado autocrático numa monarquia constitucional. Só depois de muita discussão é que a assembléia nacional pôde chegar a um acordo quanto ao monarca.
No dia 21 de julho de 1831, quase um ano depois da revolução, o príncipe alemão Leopoldo von Sachsen-Anhalt-Gotha, viúvo da princesa herdeira do trono inglês, prestou juramento à Constituição belga.
Campanha dos dez dias
O rei holandês acompanhou indignado os acontecimentos em Bruxelas. Guilherme I não se conformava com a divisão do seu reino pela metade. Pouco depois de Leopoldo subir ao trono, as tropas do rei holandês invadiram a Bélgica. Na chamada "campanha dos dez dias", elas puderam aniquilar o exército belga, que ainda se encontrava em fase de formação.
Apesar dde os holandeses terem sido obrigados a recuar, em face do avanço de tropas francesas, muitos territórios costeiros e a região em torno a Maastricht puderam retomados pelo reino holandês. Uma paz definitiva e a marcação duradoura das fronteiras entre os dois países só ocorreu em 1839, com a assinatura dos chamados Tratados de Londres: nove anos depois daquela noite de ópera no Teatro de la Monnaie e das suas conseqüências.