26 de novembro de 1961
"Um porcalhão que suja o próprio ninho". Nesse tom os telespectadores xingavam o ator Helmut Qualtinger, em cartas enviadas aos montes à sede da emissora de direito público austríaca no final de 1961. De guarda-pó, gravata, chapéu e um "bigode de Hitler", Qualtinger encenava, na época, uma história da vida tipicamente austríaca.
A dupla de autores Helmut Qualtinger e Carl Merz havia sido encarregada pela TV austríaca de produzir um programa de 50 minutos. Eles pretendiam oferecer algo completamente novo ao público – um monólogo sem ação. Nada deveria distrair os telespectadores do conteúdo do texto. Nasceu, então, o "Herr Karl" – um oportunista e aproveitador vienense, que não entendia de nada, mas, ao mesmo tempo, dava uma de espertalhão.
Cotidiano vienense
O personagem era a caricatura de um almoxarife, que empilhava latas de conserva no porão de uma loja de produtos finos, enquanto contava, espontaneamente, sua vida aos fregueses. A sátira era ambientada entre o fim da monarquia dos Habsburgo, em 1919, e a declaração de neutralidade da Áustria, em 1955.
Aparentemente, o programa de TV retratava o cotidiano de um vienense vaidoso; na realidade, porém, desmascarava um povo oportunista e bajulador incorrigível. Revelava, por exemplo, como muitos austríacos receberam com festa a chegada de Hitler e a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, em 1938.
Incorporação do burguês
Poucos dias depois da estreia na televisão, Helmut Qualtinger levou seu espetáculo ao teatro. A apresentação foi um sucesso. Segundo um crítico da época, "Herr Karl retrata a alma de um povo, desmascara sua mentalidade". Qualtinger incorporava, sem piedade, o eterno burguês, mesquinho e sem caráter, violento em relação aos fracos e submisso aos poderosos.
Mostrava, por exemplo, como muitos austríacos "se arranjaram" com as forças de ocupação (norte-americana, britânica, francesa e soviética), que dominaram o país de 1945 a 1955.
Helmut Qualtinger atuou durante 20 anos nos teatros de Viena. Seu repertório variou da sátira política ao drama clássico. No entanto, a partir de 26 de novembro de 1961, ficou conhecido quase que exclusivamente por seu alter ego, o "Herr Karl". O ator desfrutou intensamente sua vida, e faleceu em 1968, aos 58 anos de idade, vítima de uma doença do fígado.
Seu testamento foi resumido nas seguintes palavras pelo dramaturgo Peter Turrini: "Se quisermos manter Qualtinger vivo, temos de compreender, finalmente, o conteúdo de suas peças: ele tratou toda a dimensão da maldade humana que existe em e entre nós"!