Grandes decisões, surpresas
29 de dezembro de 2008Como forte candidato a encabeçar a lista dos mais importantes eventos da vida cultural alemã em 2008, está o fim de uma novela familiar: ao completar 89 anos de idade, o neto do compositor Richard Wagner, Wolfgang, resolveu entregar a direção do Festival de Bayreuth.
A disputa interna que antecedeu a resolução foi longa e dura. Agora, as duas filhas de Wolfgang Wagner – Katharina (29) e Eva (63), de mães diferentes e que nunca se deram muito bem – dirigirão juntas durante os próximos sete anos as festividades e o teatro dedicados à ópera wagneriana.
Outra decisão longamente adiada, desta vez na capital: o projeto do arquiteto italiano Francesco Stella venceu a concorrência para a construção do Palácio de Berlim, no terreno do antigo Palácio da República da extinta RDA. Demolida recentemente, a modernosa construção comunista tomara em 1950 o lugar das ruínas da residência de inverno de Frederico 1º, rei da Prússia. Obedecendo às imposições da câmara alta do Parlamento, Stella recuperará o estilo das fachadas do século 18, no prédio que abrigará o centro de cultura Humboldt Forum. O projeto não permaneceu isento de críticas: para alguns, é barroco demais e pouco contemporâneo.
Também em Berlim, resolveu-se o impasse em torno do Centro dos Desterrados. Originalmente, seria voltado aos alemães expulsos, após a Segunda Guerra Mundial, de regiões hoje pertencentes à Polônia e à República Tcheca. Proposto em 2000, o projeto gerou polêmica desde o início. Sobretudo a Polônia temia que a Alemanha concentrasse demais o foco em suas próprias vítimas, relativizando assim a culpa nacional. A solução encontrada é que o memorial homenageará a todos os desterrados.
Bem menos delongada, porém nem por isso menos espetacular foi a decisão sobre o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão. Até então concedido a literatos e cientistas, ele coube, pela primeira vez, a um artista plástico: Anselm Kiefer. No discurso de entrega, lembrou-se como, internacionalmente reconhecido, ele "confronta seu tempo com a mensagem moral do ruinoso e do efêmero".
A consciência histórica do autor Uwe Tellkamp também lhe valeu o Prêmio do Livro Alemão. Gottfried Honnefelder, da Associação do Comércio Livreiro, justificou assim a escolha: "Der Turm (A torre), seu grande romance de antes da Queda do Muro, esboça, com riqueza de cenas, imagens e formas lingüísticas, o panorama de uma sociedade que cambaleia em direção ao próprio fim. Tomando uma família de Dresden como exemplo, Tellkamp fala de acomodação e resistência dentro de um sistema esgotado".
Outro highlight entre as distinções foi, a rigor, uma não-premiação: o crítico cult Marcel Reich-Ranicki fez manchete recusando-se a receber o Prêmio da Televisão Alemã. Motivo: o velho mestre das letras considera a programação televisiva – em especial das emissoras públicas – simplesmente indizível. Por apoiá-lo, a segunda grandeza da crítica literária alemã, Elke Heidenreich, teve paga imediata: o Canal 2, ZDF, cancelou o programa do qual ela era apresentadora. A autora não se dá por vencida e continuará sua atividade na internet.
A TV alemã perdeu, porém, um de seus mitos de forma definitiva: aos 85 anos de idade faleceu Horst Tappert, aliás, Derrick. Para quem não tem idéia: trata-se do policial protagonista da série alemã de maior êxito no exterior. Os telespectadores franceses consomem há 20 anos ininterruptos um episódio duplo por dia. E 500 milhões de chineses conhecem Tappert. Uma honra de que possivelmente nem a chefe de governo alemã pode se gabar.
De volta aos livros, a Feira do Livro de Frankfurt deste ano celebrou a ascensão do livro eletrônico, o e-book. Pelo menos 30% da oferta do evento esteve disponível em forma digital. E a qualidade dos aparelhos de leitura evolui.
O que não significa que o panorama literário alemão haja primado sempre pela qualidade. No topo da lista dos best-sellers durante semanas, com milhões de exemplares vendidos, esteve Feuchtgebiete (Zonas úmidas), de Charlotte Roche, que – como sugere o título – se ocupa meticulosamente da genitália feminina. Por exemplo, da arte de "lavar a xoxota" só o suficiente para que o odor natural atravesse, "suave e estonteante", mesmo os jeans mais espessos ou as roupas de esqui. "Quebra de tabus", aclamaram alguns, "puro mau-gosto", gemeram outros.
O ano de 2008 foi bastante positivo para o cinema nacional. Entre os maiores sucessos esteve Keinohrhasen (Coelhos-sem-orelhas), comédia com Til Schweiger: 6 milhões de espectadores, apesar de lançado pouco antes do novo James Bond. Para os amantes da ação, Der Baader-Meinhof Komplex, de Uli Edel, sobre as atividades terroristas da RAF, valeu a ida ao cinema e ocupou o 10º lugar entre os campeões de bilheteria. Lançado somente pouco antes do fim do ano, Os Buddenbrooks, baseado na saga familiar de Thomas Mann, também promete, mas será preciso esperar 2009 para conferir.
Por último, algumas rapidíssimas da cultura na Alemanha: 2008 foi o Ano da Matemática, do Diálogo Intercultural e da Batata. Dubai construirá seu gigantesco Museu Universal da Arte (também) com apoio alemão. Klaus-Dieter Lehmann sucedeu a Jutta Limbach na presidência do Instituto Goethe. Quanto aos jubileus, o teatro de bonecos Augsburger Puppenkiste completou 60 anos de existência. O ator, humorista, desenhista e diretor Loriot fez 85 anos. E aos 105 o ator Johannes Heesters, holandês que vive desde 1936 na Alemanha, continua nos palcos: um recorde mundial.
Ah, e o Mickey Mouse completou 80 anos de idade... Mas esta é outra história.