65 anos de Paulo Coelho: parábolas para um mundo globalizado
24 de agosto de 2012Há duas décadas, o carioca Paulo Coelho começou a ultrapassar todo e qualquer autor brasileiro no mercado livreiro internacional, fenômeno que começou com a publicação de O Alquimista, lançado no Brasil em 1988 e que, apesar de modesta vendagem inicial, logo se tornaria o livro brasileiro mais vendido e traduzido no mundo, hoje em mais de 70 línguas.
Paulo Coelho não era completamente desconhecido do público. Já havia publicado os romances Arquivos do inferno (1982), O manual prático do vampirismo (1985) e O diário de um mago (1987), escrito após sua peregrinação pelo caminho de Santiago de Compostela.
Mas ainda que o público não conhecesse seu nome, suas palavras já haviam encontrado ressonância popular nas letras que escrevera para canções de Raul Seixas na década de 70. Um exemplo é Água viva, na qual já se pode encontrar algo do método que o levaria ao sucesso: a letra toma fortemente como base o poema místico A fonte, de San Juan de la Cruz, mas torna o texto mais acessível, popularizando o que era religioso e tido como hermético no poeta espanhol.
Essa popularização, entre o misticismo e a autoajuda, se transformaria numa mina de ouro especialmente nos livros publicados na década de 90, como Brida (1990), As valkírias (1992) ou Maktub (1994), nos quais Paulo Coelho passa a praticar uma espécie de turismo pelas religiões, que o leva da bruxaria ao cristianismo, passando pelo paganismo e a cultura muçulmana.
Os livros, que podem ser facilmente decodificados em suas lições de moral, encontram um largo público, que não está interessado nem nas experimentações difíceis da prosa contemporânea nem na literatura frágil dos chamados romances "água com açúcar".
Em artigo para a revista Fórum, no qual resenha o último livro do autor – Manuscrito encontrado em Accra – o professor e crítico Idelber Avelar definiu bem o fenômeno Paulo Coelho ao escrever que ele traduz, para a literatura comercial moderna, o gênero da parábola. "De larga tradição, dos Evangelhos à contística didática medieval, a parábola não se reduz à autoajuda porque nela opera o discurso ficcional, desestabilizando a aparente univocidade do ensinamento. Daí o fascínio de tantos leitores: simples e compreensível, a parábola preserva uma dose de mistério."
Autor de um mundo globalizado
Até o sucesso comercial de Paulo Coelho, no início da década de 90, o autor brasileiro mais traduzido no mundo era Jorge Amado, que teria completado 100 anos neste mesmo mês em que Paulo Coelho completa seus 65. Gerações os separam, e entre elas inúmeras transformações políticas e literárias no Brasil e no mundo.
Comentando as diferenças entre os dois, o professor alemão Berthold Zilly, conhecido como grande tradutor de Euclides da Cunha e Raduan Nassar, lembrou que, depois da queda do Muro de Berlim, de um modo geral diminuiu o interesse pela literatura latino-americana na Alemanha, como em toda a Europa, o que também afetou a recepção de Jorge Amado.
"Aos poucos as tiragens [de Amado] foram baixando, sendo ultrapassadas pelas de outro autor brasileiro, Paulo Coelho, que porém não é visto e lido como brasileiro e que não contribui para a imagem do Brasil no mundo. Ele é um autor globalizado que, pelo que escreve, poderia ser europeu, norte-americano, árabe."
O próprio Jorge Amado sofreu críticas por ser "popular demais", e mesmo a literatura do autor baiano lançou mão do alegórico e, de certa maneira, do formato da parábola. Se a popularidade de Amado incomodava alguns por monopolizar a imagem do Brasil no exterior, isso certamente saciava uma expectativa dos estrangeiros em relação à cultura brasileira, que desconheciam por completo.
Paulo Coelho, como autor brasileiro mais traduzido no mundo hoje, sacia expectativas do público leitor num mundo globalizado, onde a literatura passa a ser vista como desenraizada, desterritorializada.
Imagem positiva de si mesmo
Mesmo que no mundo ocidental a religião tenha deixado de ter a influência que teve por séculos, a moralidade segue sendo guiada por um substrato religioso. Os livros de Paulo Coelho, mais que autoajuda, enquadram-se na necessidade humana de ainda ter guias morais e éticos e na crença nas características positivas da vida humana.
Para o público que faz dele um dos autores mais vendidos no mundo é possível sair da leitura de seus livros com uma imagem positiva de si mesmo e com esperança nas possibilidades da vida, enquanto a melhor literatura do século 20 foi produzida sobre as catástrofes cumulativas perpetradas pelo ser humano. Não se sai da leitura de Beckett ou Lispector com a mais positiva das visões de si mesmo.
Em entrevista à agência de notícias DPA, a tradutora alemã de Paulo Coelho, Maralde Meyer-Minnemann, declarou que o segredo do autor "está em tratar dos assuntos que ocupam a todos, temas que estão no ar. Seja a questão sobre ser ou não como os outros, ou a questão do amor. Quem não se ocupa com a questão dos sonhos que são possíveis de realizar? E ele faz isso de uma maneira que é acessível e fácil de compreender."
Se a leitura de Paulo Coelho faz com que as pessoas acreditem na possibilidade de mudar suas vidas, torná-las mais cheias de espiritualidade e aventuras, também o próprio autor teve uma vida cheia de transformações: internado várias vezes pelos pais em instituições psiquiátricas, viajante hippie pela América Latina, preso em 1974 pela ditadura militar por "atividades subversivas", envolvido em ocultismos, best-seller, membro da Academia Brasileira de Letras e mensageiro da paz das Nações Unidas – sua vida talvez seja sua obra mais interessante.
Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Alexandre Schossler