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"Ação humana pode atrasar nova era do gelo em 50 mil anos"

Irene Quaile (kg)8 de fevereiro de 2016

Estudo científico mostra que o aquecimento global adiará seriamente a próxima idade do gelo. Coordenador da pesquisa alerta para urgência de abandonar combustíveis fósseis, no interesse das gerações futuras.

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Gelo da Groenlândia derrete em velocidade sem precedentes
Foto: DW/I. Quaile

As idades do gelo ocorreram de forma cíclica ao longo da história da Terra. Contudo um estudo recente da revista Nature mostra que as mudanças climáticas provocadas pelo homem vão adiar a próxima era.

Andrey Ganopolski, físico do Instituto de Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIK), na Alemanha, é o coordenador do estudo. Em entrevista à DW, ele explica que a ação humana pode duplicar a espera pelo novo ciclo de 50 mil para 100 mil anos, o que vai provocar impactos ainda piores no longo prazo.

"Estamos afetando o futuro da Terra numa escala geológica. Se nos preocupamos com as futuras gerações, deveríamos parar de usar combustíveis fósseis o mais rápido possível", alerta o físico.

DW: O que determina se e quando uma nova idade do gelo vai ocorrer?

Andrey Ganopolski:De acordo com a teoria astronômica, uma nova era do gelo ocorre quando a órbita da Terra a distancia do Sol, e o verão é mais frio que o normal no Hemisfério Norte, nas latitudes altas no Canadá e no norte da Europa, as áreas em que grandes lençóis de gelo se formam. De forma natural, sem a influência humana, a expectativa seria a nova era do gelo começar daqui a 50 mil anos.

Andrey Ganopolski, PIK
Andrey Ganopolski é físico do Instituto de Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIK)Foto: PIK/Klemens Karkow

Mas as emissões de dióxido de carbono afetam o desenvolvimento dessas camadas. De acordo com nosso modelo, emissões antropogênicas de gases-estufa relativamente grandes – digamos, duas a três vezes maiores do que as atuais – adiariam a próxima era do gelo ao ponto de ela só começar daqui a 100 mil anos. Ou seja: íamos pular todo um ciclo glacial, coisa que nunca aconteceu nos últimos 3 milhões de anos.

O que isso significaria para o desenvolvimento de longo prazo do planeta?

Os ciclos glaciais regulares ao longo dos últimos 3 milhões de anos foram extremamente importantes, porque a maior parte da evolução humana ocorreu nesse período. Somos provavelmente o produto de ciclos glaciais, porque provavelmente foram as condições certas para aumentar nossa potência cerebral. Tivemos que ser inteligentes para sobreviver num clima tão variável. Para o futuro, é difícil dizer o que uma fase interglacial tão longa vai significar para a natureza. Para os humanos, é obviamente melhor viver numa era interglacial do que numa nova idade do gelo.

Então por que devemos nos preocupar?

Cerca de 30 anos atrás, alguns cientistas propuseram que estávamos próximos de uma nova era do gelo. E algumas vezes isso é usado pelos céticos da mudança climática para justificar a queima de combustíveis fósseis. Nosso estudo mostra que esse argumento é irrelevante. A nova era do gelo não está mesmo vindo.

Em segundo lugar, isso mostra que podemos afetar o clima por até 100 mil anos, o que é uma surpresa para muitos. Eles pensam que se pararmos de utilizar combustíveis fósseis amanhã ou depois tudo ficará bem. Mas isso não é verdade. O CO2 vai ficar na atmosfera por um longo tempo. Isso significa que estamos afetando o futuro da Terra numa escala geológica.

Então estamos vivendo no Antropoceno, era em que não a natureza, mas sim a humanidade determina o estado do mundo em que vivemos, agora e nos séculos que estão por vir?

Sim. Gosto da ideia de introduzir o Antropoceno como uma nova era geológica. Porque comparando nosso clima atual e a rapidez das mudanças com o que aconteceu antes, ao longo de milhões de anos, é uma situação sem precedentes, um desvio substancial do curso natural. Nosso estudo ilustra que, se continuarmos a emitir quantidades significativas de dióxido de carbono, o Antropoceno vai durar centenas de milhares de anos, antes que os sistemas retornem a uma condição normal. Assim, quanto antes pararmos de usar combustíveis fósseis, menor será o desvio em relação ao estado natural, e os sistemas vão se recuperar mais cedo.

Alguns perguntariam por que nos preocuparmos com uma escala de tempo tão ampla. E, uma vez que o gás carbônico já está na atmosfera, não importa mais o que façamos, diriam. Qual é a sua resposta?

Isso não é verdade: o que nós fazemos, importa. Nosso estudo também fala do futuro dos lençóis de gelo da Groelândia e da Antártica. Mostramos que, mesmo com a concentração de CO2 que já temos, pode-se esperar que uma parcela substancial deles vão se derreter. Então, obviamente, qualquer aumento futuro dos gases-estufa terá efeitos ainda mais negativos. Se acrescentarmos mais carbono à atmosfera, ele vai permanecer por ainda mais tempo maior, e as consequências serão muito mais sérias.

Concordo plenamente que uma escala de 50 mil anos não tem importância prática para a maioria das pessoas. Ela somente ilustra que o nosso impacto sobre o clima vai durar muito tempo, mais do que muita gente pensa. Basicamente, ele vai afetar todas as gerações. E, se nos importamos com elas, então deveríamos parar de usar combustíveis fósseis o mais rápido possível.