A AfD e a crise da ultradireita na Alemanha
19 de maio de 2022Duas vezes entrou por pouco, uma vez ficou até fora do Legislativo estadual – o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) parece ter esquecido o caminho da vitória nas três eleições estaduais alemãs ocorridas neste ano. No estado mais populoso do país, a Renânia do Norte-Vestfália, a legenda obteve apenas 5,4%. No Sarre, foi um pouco mais que isso (5,7%). E em Schleswig-Holstein, a AfD sequer conseguiu superar a barreira dos 5% mínimos para entrar no Legislativo local, com 4,4%.
Em Schleswig-Holstein, a AfD ficou de fora de um parlamento estadual pela primeira vez, desde que, após sua fundação, em 2013, foi conseguindo em velocidade vertiginosa entrar nas assembleias estaduais em todos os 16 estados alemães. Nas eleições federais de 2017, chegou a avançar para se tornar a bancada mais forte da oposição no Bundestag, com 12,6%. Mas muitos especialistas acreditam ser ainda prematuro classificar o partido como carta fora do baralho por causa de sua atual tendência de queda.
Essa também é a opinião do cientista político Manès Weisskircher. Ele afirma que, embora a diminuição do debate público sobre a questão da migração seja certamente desfavorável para a AfD, a sigla conseguiu votos suficientes para se manter no Bundestag nas eleições federais do ano passado. Aliás: o resultado foi de 10,3%, não muito longe dos 12,6% obtidos em 2017.
Insatisfação na liderança
Nesse contexto, Weisskircher acredita que uma reversão de tendência é possível a qualquer momento. Um novo tópico no debate público também pode fortalecer a AfD novamente no médio prazo, segundo o especialista. "Por exemplo, uma mudança na opinião pública sobre os refugiados da guerra da Ucrânia ou problemas econômicos duradouros", ressalta o cientista político. No momento, porém, o partido está preocupado principalmente consigo mesmo.
O chefe da AfD, Tino Chrupalla disse estar "tudo, menos satisfeito" com o resultado das eleições estaduais na Renânia do Norte-Vestfália. No entanto, garantiu que a meta do partido permanece, que é "alcançar resultados de dois dígitos" também nos estados do oeste alemão.
No oeste da Alemanha, os populistas de direita não são nem de longe tão fortes nas eleições quanto no leste do país.
Diferenças entre leste e oeste aumentam
No território da antiga Alemanha Oriental, a AfD é muito mais influente, com resultados bem acima de 20% em alguns casos. O cientista político Manès Weisskircher afirma que os resultados das últimas eleições estaduais, assim como os das eleições federais de 2021, mostram sobretudo uma coisa: "a diferença entre leste e oeste na força eleitoral do AfD estão até mesmo aumentando".
Nos estados do oeste alemão, a AfD não encontrou estratégias efetivas "para mobilizar votos quando a questão da migração não está na agenda". O especialista observa que, além das fortes diferenças leste-oeste, também existem diferenças norte-sul consideráveis e muitas vezes negligenciadas. "Os populistas de direita são significativamente mais fracos no norte, tanto nos estados orientais como ocidentais, do que no sul", afirma.
Controvérsias racham AfD
Manès Weisskircher não ficou surpreso com o fato de a AfD não conseguir ter se mantido na assembleia estadual de Schleswig-Holstein, "especialmente não no contexto político atual". O cientista político lembra da guerra na Ucrânia, desencadeada pelo presidente russo, Vladimir Putin. Um problema para a AfD, é que existem no partido correntes que não escondem sua proximidade com a Rússia, assim como a extremista de direita francesa Marine Le Pen.
Como lidar com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia é outro tema controverso dentro da AfD. "Com o qual o partido também está lidando publicamente", diz o cientista político Weisskircher. Ele lembra outros pontos de discórdia como, por exemplo, na pandemia de coronavírus e os laços do partido com negacionistas da pandemia. As discordâncias sobre política econômica e social também são outro ponto que racha a sigla, além das disputas internas pelo poder.
Líder do partido sente falta de apoio
O último ponto baixo foi a saída de Jörg Meuthen do partido, que dividia a presidência da AfD com Tino Chrupalla. Ele diz abertamente sobre seu ex-companheiro que "teve que trabalhar com o senhor Meuthen de uma maneira bastante destrutiva". Enquanto isso, parece estar completamente em aberto se Chrupalla deve esperar ser reeleito no próximo congresso do partido, em junho. O membro do conselho Joana Cotar e outros já estão pedindo abertamente sua renúncia após a longa série de eleições perdidas. "A história de sucesso do AfD terminou com Tino Chrupalla. Ele não representa a totalidade do partido nem consegue convencer os eleitores", afirmou Cotar.
No entanto, o líder do partido, que está no cargo desde 2019, não deixa dúvidas de que quer tentar a reeleição, embora reclame sentir falta de apoio de setores da cúpula do partido.
Manès Weisskircher acredita que a disputa permanente dentro da liderança pode ser decisiva para a elegibilidade da AfD e, portanto, para sua estabilidade no médio prazo. Ele lembra como exemplo, o partido A Esquerda, em crise após diversas desavenças internas. A legenda, que ocupa a outra ponta do espectro político, fracassou até agora em todas as eleições estaduais realizadas neste ano na Alemanha.
Não é bom palpite
Em comparação, a AfD até que não se saiu tão mal assim. Mas Tino Chrupalla parece ter ouvido o tiro de advertência quando diz: "Claro que temos que trabalhar a nossa imagem", ponderando, entretanto que "isso leva tempo, isso precisa de disciplina". No entanto, é pouco provável que a maioria do partido o seguirá nesse caminho. Se Chrupalla cair, o líder extremista de direita do AfD na Turíngia, Björn Höcke, poderá assumir a liderança do partido.
O especialista Manès Weisskircher resumiu, portanto, o desenvolvimento da AfD desde 2015 com o rótulo "extremista de direita e populista". É assim que partidos como o FPÖ na Áustria e a Liga na Itália – ou sua contraparte na Alemanha – são geralmente descritos na literatura especializada internacional. Aqui, a AfD é agora considerado tão perigoso que está sob monitoramento do Departamento Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla original), serviço de inteligência interna da Alemanha. Não é um bom palpite para a última eleição estadual em 2022, prevista para em outubro na Baixa Saxônia, onde a AfD já não obteve um grande resultado em 2017, com apenas 6,2%.