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A Amazônia e as lições do Brasil

24 de julho de 2019

Sob Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia voltou a crescer. Enquanto isso, o presidente diz que não há floresta na Europa, sendo que um terço da Alemanha é mata. O que ele acha que os alemães têm a aprender com o Brasil?

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Floresta Amazônica
O desmatamento na Amazônia saltou de 488 km² em junho do ano passado para 932 km² neste anoFoto: picture-alliance/Photoshot/B. Coleman

Caros brasileiros,

parece que a Alemanha está se tornando cada vez mais brasileira. Há dias, as temperaturas aqui atingem entre 38 e 40 graus. A onda de calor, que já assolou a Alemanha no ano passado, não é a única nova semelhança entre os dois países. A outra é a preocupação com as florestas.

Sim, a Alemanha tem floresta!!! Mesmo que o presidente Jair Bolsonaro não saiba, desde o ano 1400, mais ou menos um terço do país esta coberto por florestas. Segundo as informações da Associação dos Donos da Floresta (Die Waldeigentümer, em alemão), da área total de 357 mil quilômetros quadrados que a Alemanha ocupa, cerca de 114 mil quilômetros quadrados são florestas.

Desmatamento na Alemanha

Mas infelizmente as mudanças climáticas estão causando profundos estragos nessas áreas. O calor e a baixa umidade estão ameaçando as árvores, pois tornam-as vulneráveis frente a invasão de escaravelhos e outras pragas. Desde o ano passado, 110 mil hectares de floresta na Alemanha estragaram e tiveram que ser derrubadas.

O alerta sobre as florestas alemãs coincidiu com o alerta sobre a Amazônia feito durante a cúpula do G20 no final de junho em Osaka, no Japão. Esse ecossisstema também sofreu grandes perdas. Segundo o Inpe, o desmatamento que era de 488 quilômetros quadrados em junho do ano passado saltou para 932 quilômetros quadrados no mesmo mês deste ano. Os valores de julho confirmam o ritmo acelerado de destruição: se em julho de 2018 foi de 596,6 quilômetros quadrados, somente até o dia 20 deste mês já se registrava 1.209 quilômetros quadrados de floresta desmatada.

A Alemanha então deveria ficar mais preocupada com as próprias florestas do que com a Amazônia brasileira? É isso que o presidente Jair Bolsonaro sugere. Uma sugestão, aliás, que muitos aplaudem dos dois lados do Atlântico.

Na cúpula do G20 no Japão, Bolsonaro disse: "Convidei Emmanuel Macron e Angela Merkel para sobrevoar a Amazônia. Se eles encontrarem um quilômetro quadrado de desmatamento entre Boa Vista e Manaus, concordaria com eles na questão ambiental. Sobrevoei a Europa, já por duas vezes, e não encontrei um quilômetro quadrado de floresta."

Falsificação de fatos

Será que o presidente Bolsonaro precisa de óculos? Será que ele mesmo sobrevoou duas vezes a Europa? Ou estava distraído durante o voo? A minha impressão é que a falsificação de fatos é uma estratégia para manter-se no poder. Afinal, sem a propagação maciça de fake news, Bolsonaro provavelmente nem teria sido eleito.

Mas fatos alternativos ou fake news não vão alterar o estado nem o tamanho das florestas, nem na Alemanha nem no Brasil. Até o presidente Bolsonaro provar o contrário, eu confio nos dados do prestigiado Inpe, que desde 1988 monitora o desmatamento no Brasil.

Esses dados mostram uma longa luta contra o desmatamento na Amazônia. Em 1988, a taxa de desmatamento era altíssima, girava em torno de 21 mil quilômetros quadrados. Em 1995, subiu ainda mais, para 29 mil quilômetros quadrados. Desde 2004, a destruição da floresta diminuiu. Em 2012, atingiu seu ponto mais baixo: eram 4.500 quilômetros quadrados de floresta desmatados.

Respeito pelo Brasil

Com essa história de sucesso, o Brasil virou um dos países mais respeitados na luta contra o aquecimento global. Esse respeito pelo Brasil, que o presidente Bolsonaro agora exige, foi construído ao longo dos anos pelos seus antecessores. Ele, porém, em poucos meses, contribui para que todo esse respeito conquistado comece a se perder.

Que pena! Pois os governos anteriores fizeram exatamente o que Bolsonaro reivindica ao afirmar que os países industrializados "têm muito a aprender conosco". Quantas lições o Brasil já compartilhou com a comunidade internacional na luta contra o aquecimento global!

Entre as lições mais importantes se encontra o reconhecimento de que não adianta proteger uma floresta se a população que mora nela passa fome. Segundo, para combater a pobreza, não precisa destruir a floresta. Pelo contrário.

Chama atenção que justamente entre 1990 e 2012, época em que o combate ao aquecimento global começou a receber mais atenção internacional e as taxas de desmatamento no Brasil começaram a diminuir, as políticas de desenvolvimento social também ganharam força.

O verdadeiro "milagre brasileiro"

Com essas políticas de desenvolvimento social, segundo as Nações Unidas, a extrema pobreza no Brasil caiu de 25% para 3,5% entre 1990 e 2012. A título de comparação, no nível global, o mundo conseguiu reduzir a pobreza extrema pela metade – de 47% em 1990 para 22%.

"Exportar" a pobreza para a Amazônia, pelo contrário, é uma estratégia que fracassou. Ela foi aplicada por vários governos brasileiros, inclusive os da ditadura militar, e agora voltou à tona com a política do governo Bolsonaro.

Infelizmente, quase ninguém dos pequenos produtores rurais que receberam "de graça" um terreno na Amazônia e dos garimpeiros que correram atrás do ouro conseguiu escapar da pobreza. A fortuna de poucos e "o milagre brasileiro" nos anos 70 não se espalharam nem para os migrantes na Amazônia nem para os indígenas na floresta, tampouco para a população pobre do país. 

Fica a pergunta para o presidente Bolsonaro: o que ele exatamente quer que a chanceler federal alemã aprenda? Qual seria "o exemplo que o Brasil quer dar à Alemanha sobre meio ambiente"? Quem sabe, se ele responder logo, ainda dê tempo de entrar num helicóptero com Angela Merkel para que sobrevoem juntos a Amazônia. Boa viagem!

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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