A ameaça das “duas velocidades”
4 de janeiro de 2004Indo diretamente contra a proposta de uma “pausa para pensar” – defendida entre outros pelo presidente da Convenção Européia, Valéry Giscard d’Estaing, e pelo Comissário Günter Verheugen – Schröder reafirmou em entrevista ao semanário Der Spiegel, que Berlim pretende manter-se basicamente irredutível em suas posturas.
Se a disponibilidade para acordos “em uma ou outra questão” pode ser esperada do governo alemão, uma concessão na distribuição de votos no Conselho Europeu “está fora de cogitação”, segundo Schröder. O debate sobre a Constiuição, no entanto, deverá ser encerrado no mais tardar até fins de 2004. Mais do que isso, o "grupo de pioneiros", encabeçado pela Alemanha e pela França, não pretende esperar.
Exclusão - Após o fracasso das negociações em torno da Constiuição Européia no último encontro de cúpula do bloco - já com a presença dos dez novos membros que passarão a integrar a UE a partir de maio próximo - a grande “ameaça” ventilada por Berlim e Paris é a de uma “Europa de duas velocidades”.
Atrás do termo esconde-se a possibilidade de que, sob a liderança de Berlim e Paris, um grupo de países que se auto-denomina “cerne europeu” passe a cooperar entre si em setores como justiça, economia e defesa, deixando o “resto” do bloco literalmente de lado.
Isolados e próximos dos EUA - O alemão Günter Verheugen, Comissário da UE para a Ampliação, alerta para os riscos que uma eventual opção pelas “duas velocidades” podem trazer: “Duas coisas não podem acontecer: o surgimento de uma Europa isolada, que por oposição passe a se identificar com os EUA, e a recaída em uma zona livre de comércio sem pretensões políticas”.
Esses perigos, contudo, parecem não assustar Berlim e Paris, que já deram sinais de que não pretendem arredar o pé de suas vontades. “Colocamos as cartas na mesa, de acordo com o que achamos ser correto. Vamos esperar no mais tardar até fins de 2004 para ver se podemos tomar decisões a partir desses princípios”, resumiu Schröder.
“Rebeldes” e recém-chegados - Como se vê, a Irlanda, que assumiu no último dia 1° a presidência rotativa da UE, tem pela frente um trabalho mais que árduo: além de ser obrigada a contornar as discussões em torno da Consituição – tentando fazer com que as “rebeldes” Espanha e Polônia façam as pazes com o “grupo pioneiro”, encabeçado pela Alemanha e França – o primeiro-ministro Berthie Ahern será o responsável imediato pela integração dos dez novos países no bloco, oito deles do Leste Europeu.
Corte de verbas - Embora o premiê irlandês rejeite a idéia das “duas velocidades”, é possível que os mentores da idéia, sob os auspícios do primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, já estejam se mexendo nos bastidores. Além disso, seis dos dez países que mais fornecem créditos para os caixas da UE já mandaram avisar que não pretendem mais injetar tanto dinheiro como antes.
A partir de agora, a ameaça é de que os “receptores” de hoje tenham que repassar verbas aos novos membros do Leste Europeu. A resolução é um balde de água fria na Espanha (que poderá ter seus caixas afetados) e Polônia (possível receptora de verbas vindas dos cofres espanhóis?): exatamente os dois países que se negaram a aceitar as regras de distribuição de votos no Conselho Europeu na última cúpula do bloco, que terminou em fiasco.
Sem ministro comum - E como se isso não bastasse para os ombros irlandeses, é possível que a política externa venha também a causar algumas tempestades internas nos próximos meses. A escolha de um “ministro do Exterior europeu”, prevista inicialmente para ocorrer em 2004, já foi tirada da agenda, pelo menos por enquanto.
O motivo é simples: a guerra do Iraque provou que não há entre os países um consenso de opiniões. Apesar disso, acredita-se que a UE resistirá a esses e outros problemas. Um ano fácil, porém, 2004 não será. Em seis meses, os irlandeses pelo menos passam o “abacaxi” para frente, que cai nas mãos da Holanda: são as vantagens de uma presidência rotativa.