A busca pelo passado no Museu Nacional
2 de setembro de 2019No dia 2 de setembro de 2018, um grande incêndio atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Desde então, Murilo Bastos se ocupou principalmente de peneirar detritos nos escombros do Palácio de São Cristóvão. Na verdade, o bioarqueólogo trabalha com antropologia biológica, ou seja, com ossos e esqueletos, entre eles o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas, com 12 mil anos. No momento, porém, a carreira científica de Bastos está focado em salvar o que ainda pode ser salvo.
Depois de uma longa busca, o cientista encontrou o crânio danificado de Luzia nos escombros do antigo palácio real. "O crânio já era frágil antes, mas com o incêndio ele se fragmentou. Mas podemos fazer uma remontagem virtual, para dar uma cara para Luzia novamente", disse o bioarqueólogo à DW.
Segundo ele, outro auge das operações de busca foi a descoberta dos amuletos do caixão da sacerdotisa egípcia Sha-Amum-em-Su, sepultada por volta do ano 750 a.C., cujo sarcófago foi um presente a Dom Pedro 2º. "Achar esses amuletos me marcou muito", ressalta Bastos.
"Passado apagado pelo incêndio"
O bioarqueólogo afirma estar otimista. As perdas, porém, são grandes. Ele tinha acabado de criar o inventário da coleção, com muitos dados que ainda não estavam salvos, quando o incêndio causado por um curto-circuito em um ar condicionado destruiu o computador e os ossos.
"Informações muito importantes sobre o passado da nossa história foram perdidas. É uma perda que não tem como recuperar. É o passado da nossa história que foi apagado pelo incêndio", lamenta Bastos.
A professora de Paleobotânica Luciana Witovisk também lamenta as perdas. Mas um fóssil do século 19 de uma espécie de árvore, pelo qual ela tinha um carinho especial, foi encontrado dentro de um armário no meio dos escombros. Tudo que estava no armário tinha sido destruído, menos o Psaronius Brasiliensis. "Senti uma alegria muito grande", conta.
Na noite da tragédia, a polícia impediu Witovisk de entrar no palácio em chamas. Pouco antes, seus colegas conseguiram salvar algumas peças do acervo. "Perdi o laboratório onde trabalhávamos, minha sala, material de pesquisa em andamento e a coleção de paleobotânica da qual sou curadora", afirma a professora.
Segundo o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, na época do incêndio, ocorria a transferência do acervo do palácio. A biblioteca e coleções como a de vertebrados e botânica já haviam sido transferidas para outros lugares e, por isso, sobreviveram.
Porém, aproximadamente 80% dos cerca de 20 milhões de objetos do museu ainda estavam no prédio. Quase metade de todo o acervo do museu foi destruído pelas chamas.
"O que mais nos dói é termos perdido o material etnográfico dos povos indígenas", conta Kellner. Mas ele se mantém otimista. "Somos muito bons juntos. Projetos de reconstrução são a coisa mais importante de uma catástrofe assim, e estamos fazendo isso agora."
Alemanha é maior doador
Kellner agrade especialmente as doações da Alemanha. Até o momento, foram transferidos 326.179 euros de um total de 1 milhão de euros prometidos pelo Ministério do Exterior alemão. O diretor do museu agradece também os recursos assegurados pelas autoridades brasileiras para a reconstrução, de R$ 80,8 milhões até agora.
Ele planeja construir um prédio de três andares no parque municipal adjacente, a Quinta da Boa Vista. No local, os 90 professores do museu e 230 técnicos que trabalhavam no museu e 500 estudantes serão acomodados inicialmente, e as coleções resgatadas terão um abrigo temporário.
Um centro educacional para crianças também deve ser montado no local. Para isso, Kellner busca doações na Europa e China. "Se eu conseguir o dinheiro, podemos já ter a esta altura do ano que vem um novo museu, provisório, é claro, mas ainda assim interessante", afirma.
O Museu Nacional restaurado deve ser reaberto gradualmente entre 2022 e 2025. Até lá, os funcionários têm muito trabalho pela frente.
"As peças resgatadas precisam ser estudadas, catalogadas, inventariadas. Pensando em novas exposições, na construção de novos acervos e na realização de novas pesquisas, acho que terei trabalho para o resto da vida", salienta Bastos.
O bioarqueólogo já imagina como o novo museu deve ficar. "Fecho os olhos e vejo um palácio todo reformado, mantendo seus padrões originais, a sua história, com toda a importância e opulência que tinha. E com uma exposição belíssima", ilustra.
Uma chance na catástrofe
Para a isso, as últimas montanhas de entulho ainda precisam ser peneiradas. Witovisk estima que ainda restem 15% dos escombros a serem vasculhados. "Já resgatamos muita coisa, e isso é um bom recomeço para o Museu Nacional", destaca.
Por enquanto, ela ainda precisa improvisar. Suas aulas ocorrem no Horto Botânico, um prédio anexo que sobreviveu ao incêndio. Cada pesquisador recebeu da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) 30 mil reais para a restauração do acervo. "Está mais difícil, mas estamos conseguindo levar", diz Witovisk.
A maior preocupação de Witovisk no momento, porém, é a situação de seus alunos. O museu é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi afetada pelos contingenciamentos de verbas estipulados pelo governo federal. O pagamento de bolsas também está em risco.
"Estou naquela de esperar por milagres. Vivo um dia após o outro, esperando que esse governo reduza o contingenciamento", afirma a professora.
Witovisk vê ainda uma chance na catástrofe. "Quando o museu fez 200 anos, tínhamos a impressão de que ele estava sendo apagado do imaginário das pessoas", conta. As comemorações ocorreram apenas algumas semanas antes da tragédia, que acabou chamando a atenção da opinião pública para o local.
Antes do incêndio, poucas pessoas visitavam o Museu Nacional, enquanto uma multidão ia ao Museu do Amanhã, que conta com uma exposição interativa e moderna. "É um museu espetacular, sem acervo", classifica Witovisk. "Quem sabe agora, com essa reconstrução e exposições mais tecnológicas, o Museu Nacional atraia mais pessoas."
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