O Brasil ainda está bem distante do auge da crise do coronavírus. Até agora, tudo indica que ela vai atingir os brasileiros em cheio – na saúde, mas também na economia. Depois de um começo relutante, o governo está reagindo e anuncia quase todos os dias novos pacotes de ajuda, crédito, incentivos fiscais e reduções de tarifas.
A crise é também uma oportunidade, ouve-se agora constantemente. Só que, no Brasil, o que vale é: a crise é uma oportunidade – mas especialmente para os oportunistas, que, na esteira da covid-19, tentam enriquecer ou obter vantagens às custas da coletividade.
Não me refiro a tentativas abertamente criminosas, como os links enganosos para um suposto registro para cadastrar pessoas para o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo aos trabalhadores informais. Desde março, o golpe para obter dados pessoais e bancários já tem 6,7 milhões de compartilhamentos.
Eu me refiro aos grupos de lobby bem organizados, que vão agora tentar obter uma fatia da ajuda estatal apesar de terem sido bem pouco ou nem mesmo terem sido atingidos pela crise. Por exemplo os fazendeiros, que vão exigir mais empréstimos e prazos ampliados de devolução, mesmo sem terem tido quebras significativas. Ao contrário: as exportações de soja cresceram no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Açúcar, café e suco de laranja estão com preços elevados.
Entre os oportunistas estão também as empresas que agora anunciam que não vão mais pagar seus aluguéis e que reiteram que não podem ser despejadas até o fim do ano – mesmo que elas, isoladamente, não sejam muito afetadas pela crise. Na dúvida, ainda poderão contar com uma Justiça muito compreensiva.
Outra situação bizarra é quando a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeifa) exige redução nas tarifas de importação para os seus carros, que ficaram caros por causa da desvalorização do real.
Para que não fiquem dúvidas: o governo pode e deve ajudar empresas, tanto micro e pequenas como médias e grandes, e também autônomos para que possam manter seus funcionários e evitar demissões. Isso vale também para a ajuda social: investimentos públicos no SUS e uma ampliação da transferência de renda são necessários para a sobrevivência. O Brasil poderá passar por uma revolta social se os R$ 600 prometidos não chegarem logo às mãos dos mais pobres.
Mas permanece o risco de que, assim como na crise financeira de 2008, sejam necessárias amplas medidas de auxílio sem que elas sejam limitadas no tempo nem esteja claro de onde sairá o dinheiro para financiá-las.
Isso vale sobretudo para o pacote emergencial de ajuda da União aos governos regionais que está sendo negociado no Congresso. Ele prevê que o Plano Mansueto original seja ampliado e inclua uma suspensão automática dos pagamentos das dívidas dos estados com a União, a possibilidade de contrair novos empréstimos garantidos pela União e, em alguns casos, o pagamento completo de suas dívidas pela União. Com isso, serão recompensados todos os estados que gastaram mais do que arrecadaram e punidos aqueles que tentaram manter a disciplina fiscal. O drama do coronavírus permite que um presente como esse possa ser justificado politicamente, apesar de os danos serem enormes.
O Brasil logo chegaria a um endividamento de 100% do seu Produto Interno Bruto (PIB). A capacidade do país de crescer com suas próprias forças ficaria muito limitada, e por muito anos. Em curto prazo, o país se tornaria um devedor não confiável. A inflação cresceria no médio prazo porque o governo será obrigado a imprimir dinheiro. Isso seria uma catástrofe depois da catástrofe da covid-19. O Brasil cometeria os mesmos erros de 2008, quando abriu demais os canais de crédito sem determinar quando eles seriam de novo fechados. Esse erro custou ao país uma década de recessão e estagnação.
O economista Marcos Lisboa sugeriu, além do pagamento de auxílios sociais e dos investimentos no sistema de saúde, a compensação, pela União, das perdas fiscais dos estados durante três meses - e a concomitante suspensão de todas as outras medidas de alívio antes da liberação de cada vez mais bilhões de reais. A proposta soa convincente.
Mas as chances de ela vingar são poucas diante do drama crescente da crise do coronavírus no Brasil.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.